O impasse sobre a desoneração da folha de pagamento levou as contas federais ao limite da meta fiscal estipulada para este ano. Enquanto o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e o Congresso Nacional não chegam a um acordo sobre a cobrança da contribuição previdenciária de empresas e prefeituras, a arrecadação da União caiu, elevando a previsão do déficit primário para R$ 28,8 bilhões – valor máximo estipulado para 2024 pela regras do novo arcabouço fiscal.
O déficit ocorre quando o governo gasta mais do que arrecada. O governo do presidente Lula comprometeu-se publicamente a zerar essa conta. Por isso, elaborou a regra do arcabouço fiscal para disciplinar o gasto público.
Tal regra virou lei ainda no ano passado. Por conta dela, todo governo é obrigado a estipular uma meta de gasto e de arrecadação para cada ano e cumpri-la para que não seja obrigado a reduzir despesas de forma compulsória no ano seguinte.
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT), prometeu que o governo iria igualar os gastos e despesas já em 2024. Essa promessa inclui uma margem de tolerância, que é de 0,25% do Produto Interno Bruto (PIB) do país para mais ou para menos.
Já considerando essa tolerância, o governo federal pode gastar até R$ 28,8 bilhões a mais do que vai arrecadar em 2024 para estar quites com suas obrigações fiscais. De acordo com balanço da execução do Orçamento da União apresentado na segunda-feira (22), a União espera cumprir sua meta usando todo esse limite.
O déficit de R$ 28,8 bilhões está previsto na apresentação do balanço, que leva em conta a execução do Orçamento realizada até julho. No relatório de março, a previsão era que o governo tivesse déficit de R$ 9,3 bilhões. Já em maio, a previsão era de déficit de R$ 14,5 bilhões.
De acordo com o governo, a previsão de déficit aumentou porque a arrecadação não tem se comportado conforme a Receita Federal esperava. Ao final do segundo bimestre de 2024, o governo estimava que arrecadaria R$ 2,7 trilhões em tributos neste ano. Agora, já prevê 6,4% a menos, chegando a no máximo R$ 2,69 trilhões.
O secretário da Receita, Robinson Barreirinhas, disse que o impasse sobre a desoneração da folha de pagamento é o principal fator da mudança. “A desoneração da folha de pagamento está pesando bastante na arrecadação.”
O economista Mauricio Weiss, economista e professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), lembrou que o governo já propôs uma série de medidas para aumentar sua arrecadação de impostos, como a taxação de offshores e fundos isentos de super-ricos. Elas tiveram efeito, mas a desoneração da folha os minimizou.
“Os programas de ampliação da receita estão relativamente bem sucedidos”, explicou.
“O que parece estar pesando é a menor arrecadação decorrente da prorrogação das isenções da mão de obra, especialmente dos municípios”, explicou ele.
Vai e vem
A desoneração da folha de pagamento foi proposta pelo governo da então presidente Dilma Rousseff (PT) para estimular a geração de emprego. Ela foi aprovada pelo Congresso e começou a valer em 2012.
Por conta dela, empresários de 17 setores econômicos deixaram de pagar a contribuição de 20% sobre a folha de cada funcionário. O tributo foi substituído por uma contribuição de 1% a 4,5% sobre o faturamento.
A desoneração também reduziu de 20% para 8% a alíquota previdenciária da folha de pagamento dos municípios pequenos.
A mudança deveria ser temporária. No entanto, acabou sendo prorrogada sempre que estava para ter sua validade expirada. A última vez que isso ocorreu foi no ano passado, após muito vai e vem.
O Congresso aprovou uma lei prorrogando a desoneração até 2027. O governo Lula, porém, vetou a prorrogação. O veto, contudo, foi derrubado e a lei entrou em vigor.
O governo, então, enviou ao Congresso uma Medida Provisória (MP) para adaptar a desoneração às necessidades de arrecadação do governo. O Congresso rejeitou o texto.
O governo, então, foi ao Supremo Tribunal Federal (STF) em busca de uma solução. Argumentou que, ao prorrogar a desoneração, o Congresso criou um benefício fiscal não previsto no Orçamento deste ano. Por isso, o governo não tem como custeá-lo.
O ministro Cristiano Zanin, então, estabeleceu um prazo para que governo e Congresso cheguem a um acordo sobre como compensar a desoneração da folha. Esse prazo venceu em julho, mas acabou prorrogado para setembro.
Enquanto esse acordo não chega, a desoneração segue válida. Empresas e pequenos municípios seguem com o desconto na contribuição previdenciária. As contas do governo, entretanto, se deterioram por isso.
O custo anual da desoneração gira em torno de R$ 25 bilhões. Este valor é parecido com o do déficit das contas federais previsto para este ano.
Cortes
Também na segunda-feira, o governo congelou R$ 15 bilhões no Orçamento de 2024. A medida, que já vinha sido anunciada por Haddad na semana passada, também foi necessária para cumprir regras do arcabouço fiscal.
Dos R$ 15 bilhões, R$ 3,8 bilhões foram contingenciados. Isso significa que os gastos podem ser liberados ainda neste ano, dependendo da evolução das contas do governo.
Já os R$ 11,2 bilhões restantes foram bloqueados. Isso acontece porque o arcabouço também fixou um limite máximo de gastos, independente da arrecadação. Neste ano, o limite é de R$ 2,105 trilhões. As despesas totais, no entanto, já estavam estimadas em R$ 2,116 trilhões.
O aumento das despesas tem a ver com a alta de R$ 6,4 bilhões com os gastos com o Benefício de Prestação Continuada (BPC) e de R$ 4,9 bilhões com a Previdência Social por causa da concessão de benefícios acima do esperado. O governo quer fazer um pente-fino nesses pagamentos para verificar possíveis irregularidades.
A distribuição dos cortes anunciados só será divulgada no próximo dia 30.
Rigidez
Weiss ressaltou que esse corte tem a ver também com a rigidez do arcabouço. Para ele, o ideal seria que a regra fiscal tivesse um limite mais flexível nos seus primeiros anos de vigência para acomodar demandas represadas de serviços públicos. Isso, por exemplo, evitaria o bloqueio dos R$ 11,2 bilhões.
Ele também considera que a meta de zerar o déficit público, ainda que com certa tolerância, foi apertada demais. Isso impôs ao governo uma dificuldade extra para cumprimento de suas promessas fiscais.
Pedro Faria, também economista, ratificou. Ele disse que o governo precisaria de apoio do Congresso para zerar o déficit. Ele não veio.
“São metas muito apertadas para serem obtidas sem apoio do Congresso”, disse Faria. “Ou o Congresso assume sua responsabilidade [criando receitas ou compensações para desoneração], ou o Executivo terá que cortar para cumprir a meta. E o Congresso responsável é quase um oximoro [uma espécie de paradoxo].”
Edição: Thalita Pires