O presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, participou da cerimônia de encerramento da Cúpula Social do G20, neste sábado (16), no Rio de Janeiro. Segundo o governo, 47 mil pessoas passaram pelas atividades do G20 Social, que começaram na quinta-feira (14).
“Pela primeira vez na trajetória do G20, a sociedade civil de várias partes do mundo, em suas mais diversas formas de organização, se reuniu para formular e apresentar suas demandas à cúpula de líderes”, disse o presidente, destacando o caráter inédito da iniciativa. E seguiu: “A economia e a política internacional não são monopólio de especialistas. Elas não estão só no escritório da Bolsa de Nova York ou da Bolsa de São Paulo, nem só nos gabinetes de Washington, Pequim, Bruxelas ou Brasília. Elas fazem parte do dia a dia de cada um de nós, alargando ou estreitando as nossas possibilidades”.
Lula celebrou o a realização da cúpula, e disse que o encerramento deste sábado é apenas o começo de um longo trabalho que os movimentos terão por diante. “Essa cerimônia de encerramento marca o começo de uma nova etapa que exigirá um trabalho contínuo durante os 365 dias do ano”, disse. “Protestem, reivindiquem, senão as coisas não acontecem”, convocou o presidente.
Declaração final
Durante a atividade, o presidente recebeu a declaração final dos movimentos populares presentes na Cúpula, que havia sido aprovada mais cedo, em assembleia, pelos representantes das organizações da sociedade civil. “Vou levar as recomendações contidas na declaração final que vocês me entregaram aos demais líderes do G20 e trabalhar com a África do Sul para que elas sejam consideradas nas discussões do grupo. Espero que esse pilar social do G20 continue nos próximos anos, abrindo cada vez mais nossas discussões para o engajamento da cidadania”, disse Lula ao receber o documento.
A declaração destaca o caráter imperioso e de urgência da adesão dos países à Aliança Global contra a Fome e a Pobreza, em alinhamento aos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Agenda 2030 da ONU. “Essa aliança deve promover a cooperação e a intercooperação entre países e organismos internacionais, estabelecendo um fundo específico para financiar políticas públicas e programas de combate à fome”, diz o texto, que defende ainda o incentivo à produção agroecológica, e a centralidade do trabalho para a garantia da segurança alimentar e da superação da pobreza.
A declaração estabelece uma relação direta entre o combate à fome e o enfrentamento das mudanças climáticas, na medida em que afirma que “as populações mais afetadas pela fome e pela pobreza são as que mais sofrem com as emergências climáticas e desastres naturais, que se tornam mais intensos e frequentes em todo o mundo”. O texto destaca a importância dos compromissos ambientais assumidos pelo Acordo de Paris, no sentido de limitar o aquecimento do planeta em 1,5°C, e defende uma transição justa, baseada em um modelo econômico sustentável e em uma economia de baixo carbono.
“Essa transformação precisa enfrentar a exclusão social, a pobreza energética e o racismo ambiental, e garantir condições equitativas para trabalhadores e trabalhadoras, pessoas negras e comunidades vulneráveis. Reforçamos que essa transição exige um esforço relevante de educação ambiental, participação social e formação cidadã”, diz o comunicado.
Finalmente, o documento destaca a “incapacidade” do atual sistema de governança global em oferecer respostas aos grandes problemas do planeta e, portanto, defende a reforma da Organização das Nações Unidas (ONU) e seus fóruns, no sentido de democratizar esses espaços, garantindo a diversidades de vozes e promovendo “soluções mais equilibradas frente aos desafios atuais”. O texto advoga ainda pela taxação dos super ricos “com a garantia de que os recursos arrecadados sejam destinados a fundos nacionais e internacionais de financiamento de políticas sociais, ambientais e culturais”.
“Este é o momento de agir com determinação e solidariedade. Com vontade política e a institucionalização de instâncias como a Cúpula Social do G20, podemos, sim, construir uma agenda coletiva que honre o compromisso com a justiça social e com a paz global”, finaliza.
Márcio Macedo, ministro da Secretaria-Geral da Presidência da República e coordenador do G20 Social, atribuiu ao presidente Lula o sucesso da atividade. “Esse aqui foi um momento muito significativo e ele só foi possível por causa da sensibilidade e da determinação política do presidente Lula. Só um presidente com a característica do Lula é capaz de colocar no centro da agenda da discussão mundial, os movimentos sociais, o povo”, disse o ministro, que agradeceu aos movimentos populares envolvidos no encontro.
“A gente está aqui porque tem um movimento organizado no nosso país, com cultura, com força, com determinação e com compromisso com a nossa parte e com nosso povo. Então eu queria, em nome do governo brasileiro, dizer: muito obrigado aos companheiros e companheiras de todos os movimentos sociais populares organizados do nosso país”, declarou Macedo.
Ceres Hadich, da direção nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) representou os movimentos populares na cerimônia de encerramento e qualificou a realização do G20 Social como “um marco na construção de novas formas de pensar e debater a política mundial”. Em seu discurso, Hadich condenou o massacre do povo palestino e o bloqueio econômico contra Cuba.
“É inadmissível o silêncio do mundo diante do genocídio que o governo de Israel e seus apoiadores têm imposto ao povo palestino, assim como o bloqueio desumano que o imperialismo mantém sobre Cuba há décadas”, declarou. “O pacto pelas vidas das pessoas precisa estar acima dos interesses de dominação do capital. Não mais guerras, não mais bloqueio. Os povos do mundo precisam ser respeitados por sua existência e soberania. Nossa casa comum está agonizando. Nos chama atenção sinais diários de que o desequilíbrio imposto pela exploração irracional da natureza nos levará a um colapso externo coletivo”, destacou.
À esquerda, acima, o ministro da Secretaria Geral da Presidência, Márcio Macedo; à direita, Ceres Hadich, do MST. / Tomaz Silva/Agência Brasil-Alexandre Brum/G20 Social
“Que o G20 Social seja o primeiro passo de um grande, popular e massivo pacto pela ação transformadora de um mundo onde caibamos todos e todas, com plenitude e dignidade, sem exploradores e sem explorados”, concluiu Hadich.
Leia a íntegra da declaração final do G20 Social:
A Cúpula Social do G20, reunida entre os dias 14 e 16 de novembro, no Rio de Janeiro, ao final do amplo processo de participação do G20 Social, convocado pela Presidência Brasileira do G20, dirige aos líderes mundiais, que se reunirão entre os dias 18 e 19 de novembro, na Cúpula do G20, a seguinte DECLARAÇÃO sobre as principais propostas da sociedade civil global, consensuadas durante os trabalhos realizados ao longo do ano, em torno dos três temas centrais da presidência brasileira do G20: Combate à Fome, à Pobreza e à Desigualdade; Sustentabilidade, Mudanças do Clima e Transição Justa; Reforma da Governança Global.
QUEM SOMOS E DE ONDE FALAMOS
Representamos movimentos sociais e organizações da sociedade civil do Brasil e do mundo, reunidos ao final de intensos processos participativos, que buscaram dar voz aos mais diversos segmentos da sociedade global, frequentemente impactados, mas raramente ouvidos nas grandes decisões geopolíticas e macroeconômicas conduzidas por um seleto grupo de mandatários.
Durante esses meses de trabalho, buscamos incorporar as demandas, reivindicações e propostas historicamente construídas pelas organizações e movimentos de mulheres, negros e negras, povos originários e indígenas, comunidades tradicionais, pessoas com deficiências, LGBTQIA+, jovens, crianças, adolescentes, pessoas idosas, populações deslocadas ou em situação de rua, migrantes, refugiados e apátridas, trabalhadores e trabalhadoras do campo e da cidade, da economia formal, informal, solidária e de cuidados. Todos clamando por uma reforma da governança global que assegure o fim dos conflitos armados, o desenvolvimento e a justiça socioambiental para si e para todo o planeta.
COMBATE À FOME, À POBREZA E À DESIGUALDADE
Em caráter de urgência e prioridade máxima, é imperiosa a adesão de todos os países do G20 e outros Estados, à iniciativa da Aliança Global contra a Fome e a Pobreza. Em alinhamento com os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável da Agenda 2030 da ONU, essa aliança deve promover a cooperação e a intercooperação entre países e organismos internacionais, estabelecendo um fundo específico para financiar políticas públicas e programas de combate à fome, de forma a garantir o acesso universal à alimentação adequada.
Defendemos a soberania alimentar, a partir da produção de alimentos saudáveis, como um pilar para erradicar o flagelo da fome em cada nação e no plano global. Os povos devem ter reconhecido o direito do acesso democratizado à terra e à água, de controlar sua própria produção e distribuição de alimentos, com ênfase em práticas agroecológicas e de preservação do meio ambiente. A promoção de uma alimentação saudável deve ser central para assegurar justiça socioambiental, garantindo que todos os grupos sociais, independentemente de raça, classe, gênero ou origem, tenham acesso igualitário aos benefícios ambientais, respeitando as culturas alimentares tradicionais e evitando a mercantilização dos recursos naturais.
Reafirmamos a centralidade do trabalho decente, conforme os padrões da OIT, como elemento essencial na superação da pobreza e das desigualdades. É crucial combater o trabalho escravo, infantil, o tráfico humano e todas as demais formas de exploração e de precarização do trabalho. Enfatizamos a defesa da formalização do mercado de trabalho e de economias inclusivas e contra-hegemônicas, como a economia popular e solidária, cooperativas, cozinhas solidárias e o reconhecimento e valorização da economia de cuidados. É essencial assegurar que todos, especialmente jovens, população negra, mulheres e os mais vulneráveis, tenham acesso a empregos dignos, sistemas de seguridade e proteção social e à ampliação dos direitos sindicais.
SUSTENTABILIDADE, MUDANÇAS DO CLIMA E TRANSIÇÃO JUSTA
Os mesmos dilemas que atingem milhões de pessoas vítimas da fome, das desigualdades e da pobreza refletem-se no descompromisso da maioria dos países desenvolvidos e de suas elites com o enfrentamento das mudanças climáticas e o aquecimento global. As populações mais afetadas pela fome e peta pobreza são as que mais sofrem com as emergências climáticas e desastres naturais, que se tornam mais intensos e frequentes em todo o mundo.
Reiteramos a urgência de enfrentar as mudanças climáticas, com respeito à ciência e os conhecimentos tradicionais dos nossos povos, destacando a importância dos compromissos de adaptação e mitigação no âmbito da Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC) e do Acordo de Paris. É uma exigência ética que os líderes mundiais assumam um compromisso firme com a redução de emissões de gases de efeito estufa e do desmatamento, bem como a proteção dos oceanos, condições essenciais para limitar o aquecimento global a 1,5°C e evitar danos irreversíveis ao planeta.
A transição justa, como processo de transformação socioeconômica para um modelo sustentável, deve ser o princípio norteador para substituir o modelo de produção baseado em combustíveis fósseis por uma economia de baixo carbono. Essa transformação precisa enfrentar a exclusão social, a pobreza energética e o racismo ambiental, e garantir condições equitativas para trabalhadores e trabalhadoras, pessoas negras e comunidades vulneráveis. Reforçamos que essa transição exige um esforço relevante de educação ambiental, participação social e formação cidadã.
Precisamos reforçar, também, a proteção de nossas florestas tropicais através da criação do Fundo Floresta Tropical para Sempre (TFFF), um mecanismo de financiamento internacional dedicado à sua proteção e inclusão socioprodutiva das populações que delas vivem e as mantém em pé. Este fundo, somado a um Novo Objetivo Quantificado Coletivo (NCQC) de financiamento climático, fortalecerá a articulação global necessária para preservar o meio ambiente, garantindo o apoio financeiro contínuo para conservar a biodiversidade e enfrentar a crise climática de forma eficaz.
REFORMA DA GOVERNANÇA GLOBAL
Para atingir esses objetivos, reivindicamos a necessária e inadiável reforma do modelo atual de governança global, que já se mostrou incapaz de oferecer respostas aos desafios contemporâneos e a manutenção da paz.
Assim, enfatizamos a necessidade inadiável de reforma das instituições internacionais para que reflitam a realidade geopolítica contemporânea, com a promoção do multilateralismo e ampliação da participação dos governos e povos dos países do Sul Global nos fóruns decisórios. Em especial, a reforma do Conselho de Segurança da ONU é imprescindível para garantir a diversidade de vozes globais e promover soluções mais equilibradas e eficazes frente aos desafios atuais.
Defendemos que esta reforma abrace a premissa da promoção da democracia e da participação da sociedade civil. A democracia está em risco quando forças de extrema direita promovem desinformação, discursos totalitários e autoritários, atentando contra os direitos humanos e veiculando mentira, ódio, preconceito, xenofobia, etarismo, racismo e violência nas relações sociais e política, dentro das fronteiras de cada país e no plano internacional. Defender a democracia implica em defender o Estado Democrático de Direito e a participação direta da população nos mecanismos nacionais e internacionais de regulação das informações. O exercício do direito à transparência e comunicação plural assegura uma governança global inclusiva, conferindo legitimidade e eficácia aos Estados e organismos internacionais.
Acreditamos que a justiça fiscal é uma ferramenta fundamental para alcançar o desenvolvimento sustentável. Por isso, defendemos a taxação progressiva dos super-ricos, com a garantia de que os recursos arrecadados sejam destinados a fundos nacionais e internacionais de financiamento de políticas sociais, ambientais e culturais. Esses e todos os demais fundos aqui reivindicados devem estar regidos por princípios de transparência, controle e participação da sociedade civil.
CONCLUSÃO
Senhores e senhoras líderes do G20, é hora de assumirmos a responsabilidade de liderar uma transformação que seja efetivamente profunda e duradoura. Compromissos ambiciosos são essenciais para fortalecer as instituições internacionais, combater a fome e a desigualdade, mitigar os impactos das mudanças do clima e proteger nossos ecossistemas. Este é o momento de agir com determinação e solidariedade. Com vontade política e a institucionalização de instâncias como a Cúpula Social do G20, podemos. sim, construir uma agenda coletiva que honre o compromisso com a justiça social e com a paz global.
Rio de Janeiro, 16 de novembro de 2024.
Edição: Raquel Setz