“Lula fez a escolha mais segura”, a afirmação é do historiador, Valério Arcary, acerca da nomeação do ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino, para o Supremo Tribunal Federal (STF). “[Flávio Dino] tem dado provas históricas de que merece a confiança por ter compromisso com as liberdades democráticas.”
O atual ministro da Justiça tem uma extensa carreira como advogado, político e professor. Filiado ao Partido Socialista Brasileiro (PSB), foi eleito senador pelo Maranhão em 2022, e se destaca por ser o primeiro ministro da Justiça, desde a redemocratização, a ter que lidar com uma tentativa de golpe de estado, no dia 8 de janeiro de 2023.
“Essa trajetória profissional dele relacionada ao campo jurídico, ao campo do direito, um juiz de carreira, parece fazer muito sentido para o STF”, declarou ao podcast Três por Quatro, a convidada Ágatha de Miranda, advogada e coordenadora de Incidência Política e Litígio Estratégico do Instituto Peregum.
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Para ela, a polêmica envolvendo o nome de Flávio Dino para um cargo no STF não é sobre a qualidade ou competência do magistrado para função, “mas que o nosso compromisso coletivo não tenha como premissa a promoção da igualdade de sexo e de raça”.
Ao Brasil de Fato, o historiador Valério Arcary defende que “a primeira preocupação das indicações do governo Lula tem que ser garantir que o Supremo não vai se dobrar diante das ameaças dos neofascistas”.
Arcary lembra que, apesar da vitória eleitoral do presidente Luís Inácio Lula da Silva (PT) em 2022, o Brasil segue sendo uma sociedade “profundamente fraturada”. Segundo ele, “a corrente bolsonarista ainda exerce uma influência muito forte sobre 1/3 do país. Embora tenha recuado para uma posição defensiva após a derrota do 8 de janeiro, ela tenta se reposicionar com uma tática de erosão do governo Lula e de confronto com as liberdades democráticas do país”.
Excepcionalmente, nos últimos anos, o STF atuou como a última trincheira da democracia brasileira: “Quem é politicamente ativo reconhece o papel do Supremo e o papel que o ministro Alexandre de Moraes teve em momentos decisivos”, disse o historiador.
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Arcary ainda completa, “Dino no Supremo é uma garantia da luta antifascista. Isso compensa a ausência dele do ministério [da Justiça]? Sim, compensa”.
Em um aceno ao governo federal, o presidente da Comissão de Constituição e Justiça da Casa, senador Davi Alcolumbre, confirmou a sabatina do ministro Flávio Dino, ainda este ano, em sessão única com a indicação de Paulo Gonet, à Procuradoria-Geral da República (PGR).
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Teoricamente, a discussão simultânea pode diminuir o foco dos ataques a Dino. “Me preocupa que essa sabatina fique estancada na ‘persona’, na figura do Dino, e não nos desafios políticos que estão colocados para nós”, constatou a advogada Ágatha de Miranda.
Segundo ela, ainda há uma presença muito forte do autoritarismo e do militarismo no funcionamento das instituições federais do país: “Tem uma agenda de propagação de valores neoliberais avançando nessas instituições. Então, a gente tem que acompanhar esses debates para entender para onde esses tensionamentos vão”.
Falta de representatividade no STF
Com a indicação de Dino, o Supremo Tribunal Federal terá apenas uma mulher em sua composição, Cármen Lúcia. Desde a redemocratização, a Corte recebeu apenas outras duas mulheres: Ellen Gracie (2000-2011) e Rosa Weber (2011-2023), que deixou o cargo a ser ocupado por Flávio Dino.
Neste período, o STF também só recebeu dois ministros negros: Joaquim Barbosa (2003 – 2017) e, o atual ministro, Nunes Marques. “A escolha do Dino é mais uma repetência do que a gente esperava”, pontuou a advogada Ágatha de Miranda.
Ao podcast Três por Quatro, do Brasil de Fato, ela questiona: “Por que não uma mulher? Sendo que compomos a maioria da população brasileira. Por que não uma pessoa negra? Sendo que compomos a maioria da população brasileira”.
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Para Ágatha, a indicação de Flávio Dino demostra que ainda existe uma resistência nas instituições federais em “manejar alternativas para disputa política que envolva de maneira Central as propostas formuladas pelas mulheres, pelos negros, por exemplo”. Com isso, “a gente perde uma oportunidade de apostar em transformação social”, afirma.
O argumento de Miranda convenceu o historiador: “Lula, portanto, errou”. Ao concordar com a advogada, Arcary argumentou ainda que “não há tempo mais para adiar a representação feminina e a representação negra em todas as instituições de poder no Brasil, há uma demanda de reparação”. Para ele, “tem que haver um empurrão político-social, simbólico, porque é uma disputa ideológica de que nós somos iguais, ou seja, que não há inferioridade.”
Limitação dos poderes do STF
O Congresso Nacional e o Supremo Tribunal Federal (STF) também lidam com outro embate. O Senado aprovou, em novembro, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 8/2021, que limita as decisões monocráticas e os pedidos de vista no Supremo Tribunal Federal.
O texto proíbe a concessão de decisões monocráticas que suspendam a eficácia de leis ou atos normativos, com efeito geral ou que anulem atos dos presidentes, da República, da Câmara ou do Senado.
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Para o convidado Valério Arcary, há sim uma necessidade de controle entre as casas. “Em princípio, é mais democrático o parlamento do que o tribunal. Em princípio, não pode ser somente uma prerrogativa do tribunal decidir qual é o seu regimento interno. Portanto, deve haver controle mútuo dos Poderes”.
Mas, ainda assim, Arcary é enfático ao afirmar que, neste momento, a medida é “uma chantagem simbólica do Senado sobre o Supremo Tribunal Federal para reduzir os danos da ilegalização da extrema-direita”.
A proposta de emenda constitucional ainda será analisada pela Câmara dos Deputados.
Novos episódios do Três por Quatro são lançados toda sexta-feira pela manhã, discutindo os principais acontecimentos e a conjuntura política do país.
Edição: Rebeca Cavalcante