Mais da metade de todos os recursos que o governo federal espera arrecadar no ano que vem com aumento da taxação sobre super-ricos deve acabar sendo usado para pagamento dos juros da dívida pública nacional, que tem como credores principalmente grandes instituições financeiras – por sinal, pertencentes a super-ricos.
De acordo com a proposta de Orçamento encaminhada pelo próprio governo ao Congresso Nacional no final de agosto, as ideias do governo de tributar super-ricos podem render R$ 168,5 bilhões à União em 2024. O valor engloba projetos para mudança na cobrança de impostos sobre os chamados fundos exclusivos, offshores e outras iniciativas, que ainda estão em análise no Congresso Nacional – ou seja, ainda não estão em vigor.
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Se forem aprovadas, o governo também já informou ao Congresso que espera usar R$ 87,8 bilhões – 52,1% da arrecadação estimada – para o pagamento dos “serviços da dívida pública federal”. Traduzindo: juros da dívida.
Os juros consumirão quase cinco vezes o valor das transferências a municípios e estados que serão feitas caso a arrecadação extra seja confirmada: R$ 18 bilhões e R$ 15 bilhões, respectivamente. O detalhamento dos gastos foi compilado num informativo por consultorias sobre Orçamento da Câmara e do Senado divulgado em setembro.
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Esse gasto com juros foi citado também numa análise técnica sobre a proposta do governo para o Orçamento de 2024 divulgada pelo Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) na quarta-feira (18). “O PLOA [Projeto de Lei Orçamentária Anual] demonstra que a maior parte deste esforço arrecadatório (52,1% ou R$ 87,8 bilhões) irá para o pagamento dos (ainda muito altos) juros da dívida pública, que são detidos, na maior parte, por grandes instituições financeiras, o que demonstra a necessidade de alinhar a política fiscal com a monetária para a redução das desigualdades”, diz o texto do Inesc.
Para o economista Mauricio Weiss, professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), as contas indicam uma priorização errada de recursos pelo governo. “Eu até entendo essa estratégia no sentido de buscar a necessidade de reduzir o montante da dívida, mas me parece uma estratégia inadequada para o atual contexto do país, de necessidade de ampliar os gastos e investimentos do setor público”, disse ele. “Acho que esses valores seriam mais bem aproveitados em outras áreas.”
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Segundo o próprio Inesc, apesar do crescimento de 6,6% previsto do Orçamento de 2023 para o Orçamento de 2024, não haverá recursos suficientes para tratar do “enorme déficit social” resultante do “desmonte de políticas públicas no governo Bolsonaro”.
“As desigualdades são expressivas, o país conta com 33 milhões de pessoas passando fome, metade da força de trabalho encontra-se na informalidade, sem acesso aos direitos sociais atrelados ao trabalho, as filas para acesso ao SUS, ao SUAS e ao INSS são grandes”, afirmou Nathalie Beghin, economista e integrante do colegiado de gestão do Inesc, sobre as necessidades de investimento público no país.
Gasto com juros
O novo governo pretende gastar no ano que vem R$ 2,060 trilhões, contra o R$ 1,932 trilhão previstos no Orçamento deste ano. O aumento de R$ 96 bilhões, segundo o Inesc, é decorrente da correção das contas pela inflação (R$ 62 bilhões) e do crescimento na arrecadação tributária (R$ 32 bilhões).
Acontece que cerca da metade de tudo isso vai para pagamento da dívida e dos juros. De acordo com a organização Auditoria Cidadã da Dívida (ACD), em 2022, isso consumiu exatamente 46,3% do Orçamento Federal.
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Segundo o Banco Central (BC), só em agosto, o setor público – governo federal, regionais e estatais – gastou R$ 83,7 bilhões para pagar juros da dívida pública.
Nos 12 meses encerrados em agosto, foram R$ 689,4 bilhões – quase 20% a mais do que os R$ 575,6 bilhões gastos nos 12 meses anteriores.
Estatisticamente, o gasto com a dívida é alto porque a taxa básica de juros do país, a Selic, é alta. A Selic é uma espécie de referência para os títulos da dívida. Hoje, a taxa de juros brasileira é de 12,75% ao ano, umas das mais altas do mundo.
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De acordo com o próprio BC, a cada 1 ponto percentual de aumento da Selic, a dívida pública aumenta R$ 44 bilhões. O cálculo aproximado também vale para mudança no sentido contrário, ou seja, redução da taxa.
Edição: Nicolau Soares