A queda de braço entre parlamentares governistas e opositores viveu um novo capítulo nesta quinta-feira (10), na Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), na Câmara dos Deputados. Ao longo de mais de cinco horas de audiência no colegiado, o ministro do Desenvolvimento Agrário, Paulo Teixeira, prestou depoimento após convocação que partiu de um requerimento apresentado pelo deputado Éder Mauro (PL-PA). Apesar de a sessão ter se dado em clima morno e sem os sobressaltos que são comuns à dinâmica da comissão, o mandatário viveu diferentes pontos de conflito com parlamentares da ala bolsonarista.
Um dos destaques se deu no quesito da paralisação do programa de reforma agrária no país após um acórdão publicado pelo Tribunal de Contas da União (TCU) em 2015. A medida marcou a cena política nos últimos anos no que se refere à disputa entre movimentos populares do campo, que defendem a política de reforma agrária, e lideranças da direita, principalmente da extrema direita.
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Na época da edição do documento, o TCU apontou suspeita de irregularidades no programa e suspendeu a política. A medida impactou diretamente 578 mil famílias que foram colocadas na situação de “irregulares” e também a fila do programa, que deixou de cadastrar novas famílias. Políticos, assessores técnicos e lideranças populares questionaram a decisão desde então, ao se queixarem que o tribunal não chegou a ouvir o contraditório e ao apontarem que os técnicos do TCU analisaram o programa com base em critérios considerados estranhos ao processo de reforma agrária.
O tema veio à tona nesta quinta (10) em diferentes momentos durante a audiência com Paulo Teixeira, que classificou como “equivocada” a forma como o tribunal avaliou o assunto. “Faz oito anos que não tem assentamentos no Brasil porque o programa de reforma agrária começou, a meu ver, com uma equivocada atuação de uma parcela do TCU, que fez um trabalho que é digno de ser reprovado por esta Casa, um trabalho que o parlamento, tendo aquele órgão como órgão auxiliar, não poderia aceitá-lo, tantos equívocos [há] naquele trabalho que o TCU fez”, acrescentou o ministro.
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Na época da publicação do acórdão, a Procuradoria-Geral da República (PGR) ingressou com uma ação questionando a medida do TCU e apontando, entre outras coisas, falta de respeito ao processo legal e ao direito de defesa das pessoas acusadas. Em 2017, a liminar foi deferida pelo Supremo Tribunal Federal (STF) por meio do ministro Alexandre de Moraes, que anulou os efeitos do documento. Na sequência, o TCU reconheceu os problemas, entre eles o de que o número de 578 mil famílias irregulares estaria equivocado.
Em diferentes momentos da audiência na CPI, o relator da comissão, Ricardo Salles (PL-SP), defendeu a iniciativa do TCU, alegando suspeita de irregularidades em questões como os critérios de seleção do programa. Em resposta, Paulo Teixeira questionou: “O senhor aceitaria que algum direito seu fosse bloqueado sem que o senhor tivesse o contraditório? Porque foi esse o entendimento do ministro Alexandre de Moraes sobre isso. Ele falou: ‘Eles têm que ser ouvidos porque tem que haver o contraditório’. Em todo processo administrativo tem que ter o contraditório. O Incra passou uma peneira em 350 mil [processos]. Deu 1% de irregularidade, que podem ser irregularidades a posteriori. Então, você para um programa, prejudicando 99% [dos beneficiários], aí eu não vejo nenhuma razão, outra motivação, senão uma motivação política, ideológica de um órgão auxiliar do Poder Legislativo”.
Nos últimos anos, após a liminar de Alexandre de Moraes, o tribunal passou a estabelecer diálogo permanente com o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) para tratar de ajustes de procedimentos, mas a questão ainda tem apontamentos pendentes, motivo pelo qual a disputa em torno do acórdão se esticou ao longo do tempo e ainda assombra o governo atual. Teixeira afirmou, no entanto, que a gestão do PT segue na linha de efetivar o programa de reforma agrária no país. “Nós vamos acelerar a titulação, a regularização fundiária de todos os assentamentos no Brasil. Todos”, enfatizou o ministro.
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Conflitos de terra
Ricardo Salles alegou que as medidas que o atual governo estaria tomando hoje na área da reforma agrária seria resultado do que a gestão do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) fez no passado. “Vocês estão executando exatamente o que o governo Bolsonaro preparou para que fosse feito. Não há uma norma nova editada por este governo que deu ensejo a uma aceleração. Simplesmente é a implementação, como ato contínuo, daquele feito no governo anterior”.
O ministro reagiu afirmando que a administração de Bolsonaro não assentou “uma família”. “Temos 57 mil famílias em acampamentos no Brasil, temos regiões conflagradas. Precisamos colocar a Força Nacional agora no Sul do Pará porque tem ali um grupo de pessoas violentas que já mataram 47 pessoas”, disse, ao citar dados de 2023. Teixeira foi interrompido por parlamentares bolsonaristas que bradaram acusando o MST de supostamente responder por tais mortes.
“Não são do MST. Ninguém pode ser morto em conflito de terra. Nós queremos paz no campo. Nenhum lugar, nenhuma pessoa, ninguém de nenhum lado [pode ser morto]. Nós queremos paz, e, por querermos paz no campo, não queremos que tenha uma pessoa morta no país em conflitos de terra, por isso temos que resolver os conflitos”, reagiu o ministro.
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Medidas
Durante sua exposição inicial na CPI, Teixeira citou medidas e dados relacionados a decisões tomadas pela gestão petista neste primeiro ano de governo a respeito do Ministério do Desenvolvimento Agrário. O ministro mencionou R$ 100 milhões de verbas destinadas à área de assistência técnica para 2023 e elencou políticas como o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), que teve os valores corrigidos após seis anos sem reajustes no orçamento. Também lembrou a situação do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA).
“Tínhamos, no orçamento de 2023, R$ 2,5 milhões previstos. Quando foi aprovado o orçamento emergencial nesta Casa, passou para R$ 500 milhões, e a Conab [Companhia Nacional de Abastecimento] lançou um edital: foram ofertados R$ 1,15 bilhão de produtos da agricultura familiar, o que demonstra que o PAA ajuda a organizar a economia da agricultura familiar.” Ele mencionou ainda o fortalecimento da política de compras públicas de alimentos produzidos por segmentos da área, como camponeses, indígenas, extrativistas, ribeirinhos. O ministro também citou o lançamento do Plano Safra da Agricultura Familiar, lançado com previsão orçamentária de R$ 77,7 bilhões.
“Enquanto os juros no Brasil estão em 13,05% – já estiveram em 13,75% –, os juros pra agricultura familiar estão em 6% e, para a produção de alimentos, 4%, para a agroecologia, 3%. O microcrédito [está] em 0,5% para aquele agricultor mais vulnerabilizado. E também temos um fomento, que é feito [entre] MDS e MDA, que é para aquelas pessoas que não têm acesso a crédito nem vida bancária”, ressaltou Teixeira, ao alfinetar a política de juros do Banco Central (Bacen), com cujo presidente, Roberto Campos Neto, o governo Lula tem travado um intenso confronto.
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Contexto
A CPI do MST é uma das principais arenas de disputa entre a ala bolsonarista e parlamentares do campo progressista. A sessão desta quinta-feira ocorreu em meio a um cenário de fragilização política do colegiado, que foi criado por deputados da extrema direita, segmento que tinha maioria na comissão até terça (8). Na quarta (9), no entanto, a CPI viveu um revés, com uma articulação entre o centrão e o governo Lula que gerou troca de membros no colegiado. A mudança envolveu deputados de partidos como PP e Republicanos, que negociam espaço na Esplanada.
Com a alteração, a gestão passou a apostar em uma provável maioria no grupo. A CPI também viveu outro solavanco: na quarta-feira pela manhã, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), anulou a convocação do ministro-chefe da Casa Civil, Rui Costa, após uma articulação do governo que tentava evitar maior desgaste para a gestão. A prática é incomum no Legislativo e se tornou mais um ponto de atrito entre bolsonaristas e governistas.
Diante desse novo cenário, o relator da CPI afirmou, na quarta (9), que o colegiado desistiu da ideia de prorrogação do prazo da comissão. Com a CPI prevista para se encerrar em setembro, bolsonaristas se articulavam para pedir uma dilatação do prazo por mais 60 dias.
Edição: Rodrigo Chagas