Por Daniel Haidar e Weslley Galzo
Enquanto tenta ser reconduzido para um terceiro mandato, o procurador-geral da República, Augusto Aras, aumentou sua influência no Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) e no Conselho Nacional de Justiça (CNJ). A manutenção de Aras no cargo é articulada pelo líder do governo no Senado, Jaques Wagner (PT-BA) – a ideia é também defendida por petistas próximos ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Por serem órgãos capazes de controlar e punir integrantes do Ministério Público e do Judiciário, o CNMP e o CNJ são sempre motivo de interesse para políticos. Há, ainda, mais interesse agora porque os órgãos abriram duas inéditas devassas em todas as investigações e procedimentos realizados na Operação Lava Jato em Curitiba, em Porto Alegre e no Rio. Aras foi procurado, mas não se manifestou.
A investigação sobre a Lava Jato no CNJ foi também turbinada, no mês passado, com o compartilhamento de mensagens trocadas pelos procuradores e obtidas pelo hacker Walter Delgatti, preso na Operação Spoofing. Políticos veem essas investigações do CNMP e do CNJ como oportunidades de “limpar a biografia”.
Recondução
Nesse cenário, Aras conseguiu articular no CNMP a aprovação de conselheiros simpáticos a seus posicionamentos. O grupo foi chancelado em sabatina da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado na terça-feira passada. Se passarem no plenário da Casa, serão reconduzidos a novos mandatos de dois anos, a partir de 14 de dezembro: Ângelo Fabiano Farias (do Ministério Público do Trabalho), Jaime Cassio Miranda (do Ministério Público Militar), Paulo Cezar dos Passos (do Ministério Público de Mato Grosso do Sul) e Antônio Edílio Magalhães (do Ministério Público Federal). Também avançou na CCJ a renovação do mandato de Moacyr Rey Filho (do Ministério Público do Distrito Federal), a partir de 13 de setembro.
Além desses cinco conselheiros, Aras também conseguiu a aprovação na CCJ de dois novos conselheiros do seu arco de alianças nos Ministérios Públicos estaduais. São eles: Fernando Comin (do Ministério Público de Santa Catarina) e Ivana Cei (do Ministério Público do Amapá).
Em quatro anos de mandato como procurador-geral da República e, consequentemente, como presidente do CNMP, Aras viabilizou punições a procuradores da Lava Jato em Curitiba, como Deltan Dallagnol e Diogo Castor de Mattos. Também obteve a pena de demissão, convertida depois em suspensão por 30 dias, do coordenador da operação no Rio, Eduardo El-Hage.
Aliado
Em outra frente, Aras conseguiu antecipar a nomeação para um novo mandato no CNJ do promotor João Paulo Shoucair, do Ministério Público da Bahia, seu antigo aliado e ex-assessor em investigações criminais importantes como a Operação Faroeste.
O mandato de Shoucair no conselho só venceria em 20 de junho de 2024, porque ele tomou posse em junho de 2022. Juristas avaliam que essa nomeação antecipada viola o regimento interno do CNJ, que impõe que indicações sejam feitas a até 60 dias do término do mandato de cada conselheiro, e só depois de uma convocação pelo presidente do CNJ.
Com ajuda do Conselho Nacional dos Procuradores Gerais do Ministério Público (CNPG), Aras agiu para que fosse articulada uma eleição antecipada na qual Shoucair foi o mais votado para a vaga reservada aos Ministérios Públicos Estaduais no CNJ. Com a eleição, Aras nomeou Shoucair para um novo mandato, válido entre 21 de junho de 2024 e 20 de junho de 2026. Ele também foi aprovado na CCJ do Senado na terça-feira.
A recondução de Shoucair antes do tempo gerou incômodo entre integrantes do Ministério Público Estadual, que consideraram “de fachada” o pedido de Aras para que os procuradores-gerais de Justiça dos Estados indicassem nomes para formar a lista tríplice que passa pela análise do chefe do Ministério Público. Shoucair foi o mais votado da lista, porém causou estranhamento na categoria o fato de Aras ter feito a sua indicação ao Senado apenas duas horas após o fim da votação, sendo que o regulamento da eleição organizada pelo Conselho Nacional de Procuradores Gerais prevê cinco dias para os concorrentes mais votados encaminharem seus currículos para análise.
Lista
Além de Aras, outros quatro nomes estão na disputa pela indicação do presidente Luiz Inácio Lula da Silva para a chefia do Ministério Público. A categoria definiu uma lista tríplice e se organiza para apresentá-la a Lula, em encontro que ainda não tem data para ocorrer, de acordo com a Secretaria de Comunicação da Presidência. O presidente, porém, não é obrigado a escolher um nome entre os votados pelos pares do Ministério Público.
Os indicativos, inclusive, são de que ele não seguirá a lista tríplice da classe. Em março deste ano, Lula declarou durante uma entrevista que a escolha será pessoal. Na segunda-feira passada, o líder Jaques Wagner afirmou que “não tem lista para a PGR, a decisão é do presidente Lula”.
Ele também elogiou Aras, sinalizando que há possibilidade de recondução ao cargo. “Prestou importante serviço ao Brasil”, disse o senador. Na véspera, no domingo, o procurador-geral foi às redes sociais dizer que agiu para “desestruturar as bases do lavajatismo”.
O flerte entre Aras e o governo, no entanto, não começou nesta semana. Durante o julgamento da ação declaratória de inconstitucionalidade da Lei das Estatais, o procurador-geral mudou de posição para defender que membros de partidos políticos possam assumir cargos de chefias em empresas públicas – o que atende a um interesse do governo.
A Constituição coloca como critérios para ocupar a cadeira mais alta do Ministério Público Federal apenas a idade mínima de 35 anos e o ingresso na carreira. Cumpridos os dois requisitos, o presidente pode escolher qualquer membro do MPF para o cargo.
A lista tríplice, tradicionalmente organizada pela Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR), é uma reivindicação da categoria, que enxerga nela um caminho mais justo.