“A seca está matando os cafezais”, lamenta o agricultor familiar Gersi de Souza, morador de Acrelândia (AC), um dos 3.978 municípios brasileiros afetados pela estiagem atual. “Ano passado a gente já viveu uma situação muito difícil. E esse ano a situação complicou”, conta. Esta é a pior seca em 70 anos no Brasil, de acordo com dados do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden), do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação.
Pesquisadoras ouvidas pelo Brasil de Fato avaliam que o fenômeno é resultado da combinação entre a influência do El Niño, que afetou o Brasil em 2023, e o crescente desmatamento na Amazônia, intensificado durante o governo Bolsonaro. “Nos anos de 2019 a 2022, nós perdemos 50 mil km² de floresta primária, fora a secundária”, explica Luciana Gatti, coordenadora do laboratório de gases de efeito estufa do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). As florestas primárias são as matas nativas de um bioma, enquanto as secundárias são as que cresceram em área anteriormente desmatada. “A gente não recuperou os 50 mil km² quadrados de floresta perdida, e tampouco poucos zeramos o desmatamento”, alerta.
O El Niño, caracterizado pelo aquecimento das águas do Oceano Pacífico, reduziu as chuvas na Amazônia, trazendo um verão seco para a região em 2023. “A gente observou mortandade de peixes, de botos, populações ribeirinhas e povos indígenas, isolados e tendo dificuldade pra ter acesso a água de qualidade e transporte”, relata Helga Correa, especialista em conservação na ONG WWF Brasil. Em 2024, a seca na Amazônia chegou antes do esperado, sem que o bioma se recuperasse da estiagem anterior. “Não tivemos chuva suficiente na estação úmida e entramos na estação seca já com déficit de água”, explica a especialista.
A perda de floresta tem como consequência a redução da evapotranspiração, processo de evaporação da água do solo e transpiração das plantas, que devolvem a água para a atmosfera. “Toda vez que eu mexo nessa possibilidade da floresta contribuir na evapotranspiração, eu contribuo na mudança da circulação da chuva e no aumento da temperatura de uma forma geral”, diz Helga.
Embora os efeitos da estiagem sejam mais nítidos na região Amazônica, onde populações ficaram isoladas devido ao baixo nível da água dos rios, os impactos podem ser sentidos em mais de 70% dos municípios do país.
“Se, por um lado, o desmatamento beneficia economicamente algumas pessoas, o prejuízo para a saúde, o prejuízo dos impactos das mudanças climáticas, o prejuízo da perda de biodiversidade é compartilhado com todo mundo”, ressalta Helga.
Na avaliação de Luciana, o poder público precisa tomar medidas urgentes de controle de desmatamento e desenvolver projetos de reflorestamento para que esse quadro seja amenizado. “A gente precisa de mais árvore umedecendo a atmosfera para nos proteger das ondas de calor”, alerta.
Edição: Thalita Pires