O Ministério Público Federal (MPF) ajuizou uma ação civil pública para que 37 ex-agentes da ditadura civil-militar sejam responsabilizados na esfera cível pela execução de Carlos Marighella. A ação pede que os envolvidos no crime percam aposentadorias, restituam gastos do Estado brasileiro com indenizações concedidas a familiares da vítima e paguem compensações financeiras por danos morais coletivos que a repressão política causou à sociedade. No caso de réus já falecidos, os herdeiros deverão arcar com as reparações. Por se tratar de um crime contra a humanidade, os acusados não podem se beneficiar da prescrição – quando, após um período determinado, o Estado perde o direito de aplicar a punição.
Marighella dirigia a Aliança Libertadora Nacional (ALN), organização de resistência armada à ditadura, e era considerado o inimigo público número 1 do regime militar. Ele foi assassinado a tiros na capital paulista, na noite de 4 de novembro de 1969, em uma emboscada armada pelo Departamento de Ordem Política e Social (Dops) e liderada pelo delegado Sérgio Paranhos Fleury, um dos réus da ação. Fleury morreu em 1979.
“Fleury chegou em seguida e deu voz de prisão. Ao que Marighella fez um gesto, de pegar alguma coisa na pasta que trazia consigo, os policiais abriram fogo à queima-roupa, matando o guerrilheiro indefeso”, informa o texto da ação, reproduzindo um trecho do Relatório Final da Comissão Nacional da Verdade.
O médico legista Abeylard de Queiroz Orsini também é citado pelo MPF. Ele é acusado de fraudar o laudo da necrópsia de Marighella, para omitir a execução e corroborar a versão dos policiais de que a vítima teria sido assassinada em uma troca de tiros. O laudo deixou de mencionar sinais da execução sumária, como evidências da curta distância dos tiros e lesões que indicavam a tentativa da vítima de se proteger dos disparos. O médico tem envolvimento em outros casos de manipulação de laudos de necrópsia em favor dos crimes praticados por agentes da ditadura militar. Em 1990, ele foi denunciado ao Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (Cremesp) e perdeu o registro profissional. Orsini morreu em 2021.
Segundo o documento do MPF, “pode-se afirmar, com certeza, que todos eles se envolveram diretamente com a perseguição e morte de Carlos Marighella, bem como indiretamente com o conjunto de barbáries concretizadas pelo Dops e pelo IML, enquanto lá atuaram”.
Além de Fleury e Orsini, são citados na ação outros 35 ex-agentes do Dops. Além da responsabilização pessoal e das sanções financeiras, a ação do MPF busca o cumprimento de diversas medidas de preservação do passado e esclarecimento dos fatos ocorridos na ditadura. Para isso, o MPF quer que o Estado de São Paulo e a União, também réus, sejam obrigados a realizar um ato público de desagravo à memória de Marighella e a incluir informações sobre o caso em espaços de memória dedicados ao período.
Edição: Nicolau Soares