Foi adiada na Câmara dos Deputados a previsão de votação do Projeto de Lei (PL) 2630, conhecido como PL das Fake News. O relator, Orlando Silva (PCdoB-SP), pediu a retirada de pauta na noite desta terça (2), após a falta de acordo para apreciação do texto. Ainda não há nova data para votação. A proposta enfrenta resistência especialmente entre parlamentares da extrema direita, membros da bancada evangélica e de alguns grupos e partidos.
“Eu fiz um apelo ao presidente pra retirar de pauta porque considero que, depois da aprovação do regime de urgência, o processo entrou em uma outra fase e [recebeu] muitas propostas de emenda, o que exige que nós tenhamos um pouco mais de tempo pra examinar e produzir um texto mais convergente aqui na Casa”, resumiu Silva, em conversa com a imprensa logo após o anúncio do adiamento.
O PL teve a urgência chancelada na semana passada. Membros da base do governo e interlocutores da sociedade civil do campo progressista defendem uma tramitação célere na Casa. O segmento argumenta que o texto já está em debate desde 2020, quando foi aprovado no Senado, e que o tema exige do parlamento uma resposta mais rápida ao contexto de disseminação massiva de conteúdos falsos nas redes sociais.
O debate sobre o assunto permeou especialmente as eleições de 2018 e 2022, quando uma onda de fake news invadiu o ambiente da internet, gerando inclusive confusão entre eleitores. Há ainda algumas divergências pontuais dentro desse mesmo segmento progressista em relação a trechos da proposta, mas, de modo geral, a maioria dos atores do campo defendia a apreciação da medida nesta terça.
“Acho que não foi positivo adiar. Uma matéria importante do tipo deveria ser votada com a maior agilidade possível, pois já passou por várias discussões e o relatório já teve várias versões. O adiamento mostra o avanço das big techs contra o texto, o que surtiu efeito. As plataformas têm o direito de manifestar seu ponto de vista, isso faz parte do jogo democrático, mas não poderiam fazer o que fizeram, bloqueando anúncios e golpeando o debate. Isso só reforça a necessidade de regulação”, disse ao Brasil de Fato Nina Santos, representante da Sala de Articulação contra a Desinformação, organização civil que defende o projeto.
Contrárias à necessidade de regulação de conteúdos falsos nas redes, grandes empresas de tecnologia investiram em uma propaganda ostensiva contra o PL principalmente nos últimos dias. A investida gerou reações do Ministério da Justiça e do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), que nesta terça ordenou que a Polícia Federal (PF) escute diretores das gigantes Google, Meta e Spotify a respeito da publicidade feita contra a proposta.
Na paralela, entidades civis prometem seguir na vigilância do jogo político para influenciar os parlamentares a votarem a favor do texto. Maria Mello, coordenadora do programa “Criança e Consumo”, do Instituto Alana, lembra que o segmento já vem desde algum tempo fazendo “um trabalho intenso” para evidenciar a importância do tema. “Agora é manter as organizações que já estavam mobilizadas nessa pegada de alerta, de mobilização e de encontrar maneiras para se ampliar ainda as formas de sensibilização do conjunto da sociedade.”
Entraves
Segundo o relator, a principal dificuldade está na definição de quem poderá fiscalizar o cumprimento da nova lei, ou seja, qual autoridade poderá aplicar as eventuais sanções contra atores infringentes.
“Ganhou muita força hoje a ideia de ser a Anatel [Agência Nacional de Telecomunicações], mas ainda assim alguns parlamentares resistem a essa hipótese. Esse é um tema no qual é necessário um diálogo mesmo com o governo porque até da parte do governo há críticas com relação à [proposta de a] Anatel ser esse órgão responsável, por isso o que já era um impasse na semana passada segue como impasse”, disse Orlando Silva.
De acordo com o parlamentar, há deputados que apontam falta de expertise da agência para esse tipo de fiscalização. Outros criticam a qualidade da atuação da autarquia no trabalho que ela desenvolve na área de telecomunicações. A Anatel é constantemente acusada de não exercer a contento a necessária vigilância às empresas de telefonia, o que faz com que entidades civis progressistas também façam ressalvas à ideia de colocá-la como fiscalizadora da legislação de combate às fake news. As entidades do campo desconfiam que a agência seria muito permeável aos interesses das grandes empresas de tecnologia, contrárias ao PL 2630.
Edição: Thalita Pires