O complexo industrial Consórcio Alumar, instalado em São Luís (MA), inclui um porto instalado na Baia de São Marcos, uma refinaria para a transformação de bauxita em alumina, um ponto de redução para a transformação dessa matéria-prima em alumínio e um parque ambiental, localizado a 25 quilômetros do centro de São Luís. Ele também é alvo de denúncias que envolvem desde omissão de poluentes até vazamentos de substâncias tóxicas.
Nas imediações desse complexo, que pertence ao grupo Alcoa, uma das maiores produtoras de alumina do mundo, estão 12 comunidades tradicionais. Elas integram a área proposta para a Reserva Extrativista Tauá-Mirim. Há pelo menos mais 19 comunidades das proximidades. Todas sofrem impactos da indústria.
Alberto Cantanhede, pescador e liderança comunitária, é conhecido como Beto do Taim em referência a uma das comunidades atingidas pelos lagos de rejeitos do Consórcio Alumar. Ele relembra a luta de mais de 20 anos de trabalhadores da Resex em defesa da preservação e dignidade na região.
“Um conjunto de comunidades que ali subsistiam de agricultura e pesca, historicamente, foram retiradas. O que sobrou de ambiente foi aos poucos expropriado para dar lugar a uma navegação de grande calado, que retira as possibilidades da pesca artesanal por várias razões, como a competição das embarcações, a poluição sonora e outras sujeiras”, explica.
As famílias do entorno tiram sustento da pesca artesanal e também da agricultura e criação de pequenos animais.
Segundo Cantanhede, desde a implantação do complexo industrial, as comunidades já sofreram um grande impacto socioeconômico, que se estende até hoje, por causa da possível contaminação do solo, do ar e das águas.
“A agricultura, que era outra fonte de subsistência das populações tradicionais naqueles territórios foi, de uma vez só, ocupada em uma dimensão enorme, próximo de 10 mil hectares, para dar lugar à fábrica e aos lagos de rejeitos.”
VAZAMENTOS
Cantanhede compõe o Movimento de Defesa da Ilha, associação de organizações populares de São Luís que na última semana publicou uma série de vídeos nas redes sociais com denúncias do vazamento. Nas imagens, o maquinário antigo da refinaria vaza substâncias. Segundo o grupo, a situação acontece de maneira intermitente desde dezembro do ano passado.
O pó branco de alumina já cobre as dependências da empresa e causa preocupação às comunidades que vivem no entorno.
Imagens apontam que a intensidade do vazamento chega a acumular alumina no chão da fábrica / Reprodução/Redes Sociais
“Sabe-se de descartes de rejeitos tanto de esgoto sanitário da fábrica dentro do rio, quanto informações de que a própria estrutura da fábrica, pelo tempo de uso, começa a ter vazamentos de produtos que não conhecemos, que não sabemos quais as consequências. Isso nos preocupa”, diz Cantanhede.
Apesar de uma Unidade de Conservação no local ainda estar em processo de implantação, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama) já atestou a viabilidade e a importância da sua criação. O parecer reforça a luta dos moradores frente aos impactos dos grandes empreendimentos.
“Pretendemos continuar nesse entorno porque também pleiteamos a estabilidade do que resta dos territórios, em forma da unidade de conservação Resex Tauá-Mirim. Isso para nós é inegociável, nós precisamos. O município já cedeu tudo o que pôde ceder em forma de território para grandes empreendimentos. A população também reivindica o direito de permanecer onde está historicamente, na Ilha de Upaon-Açu”, reforça Cantanhede.
O Movimento em Defesa da Ilha acusa ainda os governos de minimizar os dados da poluição provocada pelos distritos industriais. Também apontam que o índice de poluição do ar de São Luís já é muito superior aos da cidade de São Paulo, conforme explica o também membro do movimento e professor da Universidade Federal do Maranhã (UFMA), Guilherme Zagallo:
“Nós vivemos um verdadeiro estado de calamidade do ponto de vista ambiental. Entramos 589 vezes em emergência em 2022, que é o pior do pior que existe na legislação ambiental (…) Não faz sentido o município estar discutindo a ampliação do distrito industrial e dos usos permitidos para a instalação de indústrias.”
Zagallo explica ainda que estudos científicos produzidos pelas universidades públicas do Maranhão mostram contaminação das águas na região e de animais da fauna aquática da Baia de São Marcos, como de peixes, caranguejos, siris, ostras e sarnambis. “Isso tem impacto potencial de contaminar toda a população da ilha de São Luís e dos municípios do entorno da Baía de São Marcos.”
Dois pedidos do movimento ao Ministério Público, nas esferas estadual e federal, pedem ajuda para que haja agilidade nos planos de fiscalização e contenção da poluição.
“É urgente que o poder público intensifique as ações de fiscalização, falo aí Sema [Secretaria de Meio Ambiente e Recursos Hídricos] e Ibama [Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis], em relação a essas atividades industriais”, cobra Zagallo.
“Que elaborem planos para controle das emissões. Precisamos voltar a níveis de normalidade, dentro daquilo que é permitido pela legislação, e de um plano de enfrentamento desse problema de contaminação de metais pesados. Pois mesmo que cessasse hoje, ainda teríamos que conviver por muito tempo com este impacto causado pela atividade industrial.”
A reportagem tentou contato com o Consórcio Alumar, mas não recebeu retorno. Em nota, a Secretaria de Estado do Meio Ambiente e Recursos Naturais do Maranhão (Sema) informa que realizou vistoria na empresa no dia 17 de fevereiro e emitiu um auto de notificação solicitando informações das causas do problema, solução imediata e laudos ambientais preliminares.
O Ministério Público do Estado do Maranhão (MP-MA) realizou uma audiência na última segunda, dia 26 de fevereiro, onde foi comprovada a grave situação de saúde em São Luís por causa da poluição do ar.
Segundo os dados apresentados pelo Movimento de Defesa da Ilha, as mortes por câncer e doenças respiratórias na capital cresceram 162% entre 1996 e 2022. A nível nacional, no mesmo período, o crescimento foi de 136% e 99%, respectivamente.
Na audiência pública com o MP-MA, a Sema deveria apresentar dados do monitoramento da poluição de São Luís, relatórios anuais de monitoramento da qualidade do ar, do plano de controle das emissões atmosféricas e do plano para episódios críticos de poluição do ar. Todos são obrigatórios segundo a Resolução Conama 491/2018. Os dados não foram mostrados. O órgão concedeu o prazo de 10 dias para apresentação.
Edição: Matheus Alves de Almeida