Ainda era início da tarde de 8 de janeiro de 2023, um domingo, quando uma multidão com cerca de 4 mil bolsonaristas caminhou rumo à praça dos Três Poderes na tentativa de deflagrar um golpe. Eles não aceitavam o resultado das eleições, que deram vitória a Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Naquele dia, há um ano, centenas de pessoas foram detidas por participarem ou terem envolvimento com os ataques. O professor de Ciência Política da PUC-SP e da FGV-SP, Francisco Fonseca, afirmou que os ataques em Brasília demonstraram do que a extrema direita é capaz.
“A extrema direita é golpista, e o 8 de janeiro de 2023 mostrou isso. Houve, sim, uma tentativa de golpe. Jair Bolsonaro tentou dar ao longo do seu mandato inúmeros golpes, mas o derradeiro foi no dia 8 de janeiro. Um golpe mal arranjado, colocando aí os velhinhos, os tiozinhos do WhatsApp, como ficaram conhecidos. Mas que envolveu também setores militares, grande financiamento do agronegócio, de setores do agronegócio, entre outros”, conta o professor.
O STF prossegue com os julgamentos dos envolvidos. Trinta réus já foram condenados pela corte com penas que variam de 3 a 17 anos de prisão pelos crimes de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, golpe de Estado, associação criminosa armada, dano qualificado e deterioração do patrimônio tombado. Mayra Goulart, professora de Ciência Política na UFRJ, comenta o resultado dos julgamentos.
“As instituições, embora muito tardiamente, conseguiram passar o recado. Conseguiram passar o recado de que, nessa sociedade, há um compromisso com a democracia e com o Estado de Direito. E que tentativas de suprimir o Estado de Direito vão ser punidas. Isso causou um espanto para os envolvidos no 8 de janeiro porque eles não têm o perfil de quem geralmente sofre com a força do Estado, com o aparato punitivo do Estado. Então, eles achavam que aquilo não teria consequência. E o recado é esse: mesmo que você seja um membro da elite, mesmo que você seja uma pessoa branca, você vai sentir os efeitos da lei quando atentar contra o Estado de Direito”, alerta Mayra.
A professora da UFRJ ainda argumenta que Bolsonaro já atentava contra o Estado Democrático de Direito enquanto exercia seus mandatos de deputado federal, e que seguiu fazendo isso depois de se tornar presidente, influenciando ainda mais os seguidores fanáticos.
“Houve uma leniência, um acobertamento, uma lentidão em punir Bolsonaro como deputado. Quando ele assume a presidência, ele continua nesta mesma toada, com discursos anti-estado, anti-instituições e não foi punido por isso. Ele chegou a vociferar contra os ministros do Supremo dizendo que não ia seguir suas decisões. Ele organizou um 7 de setembro que pôs em risco a segurança institucional e nada foi feito acerca disso. Então, eu acho que as instituições estão, sim, dando o recado, mas isso está sendo feito de maneira muito tardia”, pondera ela.
Em 2023, o golpismo de Bolsonaro começou a ser punido. Em três decisões diferentes, o Tribunal Superior Eleitoral condenou o ex-presidente a ficar inelegível por 8 anos. As penas não são cumulativas, ou seja, Bolsonaro fica inelegível até 2030. Em duas das condenações, os ministros do TSE entenderam que o ex-presidente fez uso eleitoreiro das comemorações da Independência em 2022.
Em outra decisão anterior, a Corte Eleitoral já havia considerado que Bolsonaro cometeu abuso de poder político em uma reunião com embaixadores no Palácio da Alvorada. Na ocasião, o então presidente fez acusações sem provas contra o sistema eletrônico de votação. Francisco Fonseca defende que Bolsonaro ainda merece ser punido de forma mais rigorosa e não acredita que haja risco de novos ataques como os ocorridos em 8 de janeiro do ano passado.
“Falta a prisão de Jair Bolsonaro. Porque ele é o arquiteto de tudo isso, o líder de tudo isso. Ele não apenas atentou contra a democracia durante todo o seu período de governo, como ele continua tentando. Não acredito que possa ocorrer outra vez. Agora, de forma episódica, como houve no próprio 8 de janeiro, de tentar cortar energia elétrica, produzir um grande blecaute, isso ainda pode acontecer. Riscos existem, mas a sociedade brasileira está muito mais mobilizada do que esteve até aquele momento”, explica Fonseca.
Os atos e omissões do 8 de janeiro foram discutidos e investigados na Comissão Parlamentar Mista de Inquérito instaurada no Congresso. O relatório final aprovado na CPMI pediu o indiciamento de 61 pessoas, dentre elas Jair Bolsonaro, e foi enviado ao Ministério Público. Relembrar a data dos ataques golpistas com atos simbólicos, segundo o coordenador da Frente Brasil Popular, Raimundo Bonfim, é importante para reafirmar a democracia, como prontamente foi feito nas manifestações realizadas no dia seguinte ao do vandalismo, no ano passado.
“Foram grandes mobilizações de rua nas principais capitais do país, especialmente na cidade de São Paulo, mas também em Brasília, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, várias capitais do Nordeste. Então, foi fundamental porque a sociedade e os movimentos populares demonstraram de pronto que não aceitariam qualquer tentativa de golpe. Isso certamente foi fundamental para estancar a continuidade do golpe naquele 8 de janeiro”, defende Raimundo.
Edição: Thalita Pires