A Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) que investiga os atos criminosos do 8 de janeiro chega ao fim nesta semana. O relatório será apresentado pela senadora Eliziane Gama (PSD-MA) nesta terça-feira (17) e votado por seus colegas na quarta (18).
A oposição deve anunciar um voto em separado sobre o documento, que é um voto alternativo ao da relatora. O posicionamento desse grupo, no entanto, só será aceito se o voto da relatora for rejeitado, o que não deve ocorrer. O presidente Arthur Maia (União Brasil-BA) também anunciou que é esperado um pedido de vista, que terminará às 9h da quarta-feira (18). Neste dia, os parlamentares votam pela aprovação ou não do documento.
:: Relatório da CPMI do 8 de janeiro será lido e votado nos dias 17 e 18 de outubro ::
A expectativa é que o relatório traga a sugestão de indiciamento de autoridades e lideranças que apoiaram o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) no ataque às instituições democráticas do país, como o processo eleitoral. Os ataques foram considerados elementos importantes para construir terreno fértil para o golpismo do dia 8. Também deve haver a sugestão de indiciamento daqueles que se omitiram ou agiram para favorecer os atos bolsonaristas que culminaram na invasão e depredação dos prédios dos Três Poderes, em Brasília.
Relembre aqui os principais momentos da CPMI:
Torres contradiz informações da Abin
O ex-secretário de Segurança Pública do Distrito Federal e ex-ministro da Justiça Anderson Torres contradisse o ex-diretor adjunto da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), Saulo Moura da Cunha, em depoimento à CPMI, em 8 de agosto.
Torres afirmou à comissão que não recebeu nenhum alerta sobre o risco de atos golpistas praticados por bolsonaristas. No entanto, em 1º de agosto, Cunha confirmou o envio de alertas sobre a gravidade dos atos golpistas do 8 de janeiro às autoridades responsáveis pela segurança acerca das manifestações.
O envio foi feito por meio de um grupo de WhatsApp, onde estavam representantes de 48 órgãos, inclusive da Secretaria de Segurança Pública do Distrito Federal, cuja responsabilidade era de Anderson Torres. Além de integrantes da pasta, estavam presentes representantes da assessoria de inteligência do Ministério da Defesa, dos centros de inteligência das três Forças Armadas, da Secretaria de Operações Integradas (SEOPI) do Ministério da Justiça e Segurança Pública e da Secretaria de Segurança Pública do Distrito Federal. Jader Silva Santos, que na época era subchefe da Coordenadoria de Avaliação de Riscos do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), também estava no grupo.
“Viajei de férias com a minha família para os Estados Unidos no dia 6 à noite após aprovar o PAI [Plano de Apoio Integrado] e enviar para todos os envolvidos. Não recebi qualquer informação sobre a possibilidade de atos violentos no dia 8. Esta viagem foi programada com antecedência e as passagens compradas em 21 de novembro”, afirmou Torres à CPMI. “Comuniquei ao governador sobre a minha viagem e Fernando de Sousa Oliveira que ficaria responsável pela secretaria em minha ausência. Se eu tivesse recebido qualquer alerta ou informe de inteligência indicando risco iminente, não teria viajado.”
A relatora da comissão, a senadora Eliziane Gama (PSD-MA), enfatizou que o serviço de inteligência apresentou alertas aos quais a secretaria de Anderson Torres tinha acesso, ainda assim “nada foi feito”. “O senhor sai do país dois dias antes, sendo que entre 2 e 8 de janeiro vários alertas eram enviados. O Saulo, que é da Abin, confirmou que isso ocorria nos grupos. O senhor participava desses grupos, inclusive do grupo difusão, que também recebeu esses alertas. O senhor sai do país como secretário de Segurança Pública do DF, que tem a responsabilidade da ação ostensiva em relação à Praça dos Três Poderes, por meio da Polícia Militar do DF”, disse Gama.
General Augusto Heleno perde a linha na CPMI
O ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) no governo Jair Bolsonaro (PL), o general Augusto Heleno se exaltou com a relatora da comissão, durante seu depoimento, em 26 de setembro. Heleno mostrou descontrole ao ser interrogado pela senadora Eliziane Gama se considerava que houve fraude nas eleições de 2022, Heleno negou, dizendo que “já tem um novo presidente da República” e que não podia dizer que houve fraude. A senadora, então, afirmou que ele “mudou de ideia”. “Ela fala as coisas que ela acha que está [sic] na minha cabeça. P, é pra ficar p, né?! P* que pariu!”, irritou-se o ex-ministro de Bolsonaro.
Em outro momento do depoimento, Heleno afirmou que o ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, Mauro Cid, não participava de reuniões com o então presidente da República e os comandantes das Forças Armadas. Foi em uma dessas reuniões que, segundo vazamentos de depoimento de Cid, Bolsonaro consultou os chefes da Marinha, Exército e Aeronáutica sobre apoio a uma minuta golpista.
“O tenente-coronel Mauro Cid não participava de reuniões, ele era o ajudante de ordens do presidente da República. Não existe essa figura do ajudante de ordens sentar-se numa reunião dos comandantes de Força e participar da reunião. Isso é fantasia. É a mesma coisa essa delação premiada, ou não premiada, do Mauro Cid… Estão apresentando trechos dessa delação e me estranha muito, porque a delação está ainda sigilosa, ninguém sabe o que o Cid falou”, disse o general.
A afirmação de Heleno, porém, foi desmentida por internautas. O perfil “Desmentindo Bolsonaro” na rede social X (antigo Twitter) mostrou uma foto postada pela comunicação oficial do Planalto que mostra uma reunião de Bolsonaro, então na presidência, com os chefes das Forças Armadas. O próprio Heleno e Mauro Cid estavam presentes.
Revelações do hacker de Araraquara, Walter Delgatti Neto
Em seu depoimento à CPMI, em 17 de agosto, o hacker Walter Delgatti Neto afirmou que o ex-ministro da Defesa Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira facilitou o acesso à sede da pasta, em Brasília, e aos funcionários especialistas em tecnologia da informação para tentar criar um código-fonte falso das urnas eletrônicas a fim de fraudar as eleições presidenciais de 2022.
A ponte entre Paulo Sérgio Nogueira e Walter Delgatti Neto teria sido feita pelo próprio ex-presidente Jair Bolsonaro após uma reunião no Palácio do Alvorada, em 10 de agosto do ano passado. Na ocasião, segundo o hacker, estavam presentes Bolsonaro, a deputada federal Carla Zambelli (PL-SP), o ex-ajudante de ordens Mauro Cid e o assessor da Presidência Marcelo Câmara.
“A conversa foi bem técnica até que o presidente me disse: a parte técnica eu não entendo, vou te enviar para o Ministério da Defesa, por meio do general Marcelo Câmara, e lá você explica, a despeito da resistência de Marcelo Câmara em levá-lo”, disse Walter Delgatti Neto.
“Ele me disse que eu estaria salvando o Brasil. Nisso essa conversa foi evoluindo e chegou na parte técnica. Recebi garantia de proteção, receberia um indulto do presidente. Com as cautelares de proibição de acessar a internet que eu tinha, foi oferecido esse indulto.”
O hacker Walter Delgatti Neto também afirmou que, por mediação de Carla Zambelli, Jair Bolsonaro pediu que ele assumisse um grampo que teria sido feito contra o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF). “O presidente entrou em contato comigo por meio de um celular aparentemente novo, com um chip inserido naquela hora. Eles haviam conseguido um grampo do ministro Alexandre de Moraes, que teria conversas comprometedoras, e eles precisavam que eu assumisse a autoria desse grampo”, disse.
“Esse grampo seria suficiente para uma ação contra o ministro e refazer as eleições. Eu concordei em assumir porque era uma proposta do presidente da República. Depois a Carla Zambelli disse que seria necessário invadir alguns sistemas de Justiça para demonstrar a fragilidade dos sistemas, a pedido de Bolsonaro”, disse Delgatti.
Foi neste momento que o hacker teria feito a inserção de alvarás de soltura e um mandado de prisão contra o ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes no Banco Nacional de Monitoramento de Prisões do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). As inserções foram feitas entre 4 e 6 de janeiro deste ano, dias antes dos atos que culminaram na invasão e depredação dos prédios dos Três Poderes, em Brasília.
Segundo Delgatti, Zambelli solicitou que, caso não conseguisse invadir as urnas eletrônicas, o hacker deveria procurar por “diálogos comprometedores” envolvendo Alexandre de Moraes. Em resposta, Delgatti teria afirmado que seria possível inserir um mandado de prisão contra o ministro no sistema do CNJ.
Walter Delgatti Neto chama Sergio Moro de “criminoso”
O depoimento de Delgatti, um dos mais emblemáticos da CPMI, também foi marcado por uma troca de farpas com o senador Sergio Moro (União Brasil-PR). O hacker chamou o parlamentar de “criminoso contumaz” após o ex-juiz de Curitiba apontar para processos na Justiça contra Delgatti.
O hacker foi responsável pelo vazamento das mensagens trocadas entre membros da Operação Lava Jato, como o então procurador Deltan Dallagnol e Sergio Moro. As mensagens divulgadas revelaram uma colaboração conjunta entre os procuradores e Moro nos casos envolvendo o ex-presidente Lula (PT). O conteúdo desempenhou um papel crucial nos julgamentos conduzidos pelo Supremo Tribunal Federal (STF), que resultaram na declaração da suspeição de Moro nas condenações de Lula.
Durante o depoimento, o ex-juiz citou condenações contra o hacker pelo crime de estelionato, que teriam sido cometidos em Araraquara (SP). “Relembrando que eu fui vítima de uma perseguição em Araraquara, inclusive, equiparada à perseguição que vossa excelência fez com o presidente Lula e integrantes do PT”, respondeu o hacker a Moro.
“Li a parte privada e posso dizer que o senhor é um criminoso contumaz, cometeu diversas irregularidades e crimes”, disse na sequência. Ao ser advertido pelo presidente da CPMI, o deputado Arthur Maia (União Brasil-BA), pelos termos utilizados, Delgatti pediu “escusas”, expressão frequentemente utilizada por Moro.
“Bandido aqui, desculpe senhor Walter, que foi preso é o senhor. O senhor foi condenado. O senhor é inocente como o presidente Lula, então?”, perguntou o senador. “O senhor não foi preso porque recorreu à prerrogativa de foro por função”, respondeu o hacker.
Posteriormente, Sergio Moro afirmou que Walter Delgatti teria invadido aplicativos de mensagens de mais de 170 pessoas, incluindo políticos como os senadores Cid Gomes (PDT-CE) e Davi Alcolumbre (União Brasil-AP) e os deputados Baleia Rossi (MDB-SP) e Flávio Bolsonaro (PL-RJ). “Inclusive, cheguei às conversas do senhor com o então procurador Dallagnol e essas conversas foram chanceladas pelo STF e são utilizadas até hoje para anular condenações de pessoas inocentes”, afirmou Delgatti logo após a informação trazida por Moro.
Relato de PM agredida por bolsonaristas
A cabo da Polícia Militar do Distrito Federal (PMDF), Marcela da Silva Morais Pinno, relatou que foi agredida com barras de ferro e pedras por bolsonaristas durante os atos golpistas de 8 de janeiro, em Brasília, em seu depoimento em 12 de setembro.
“Depois que eu fui empurrada de três metros de altura e estava no chão, enquanto alguns me chutavam e me agrediram com barra de ferro na cabeça, outros tentaram pegar a minha arma. Em torno de seis homens estavam me agredindo. Se não fossem os meus colegas de trabalho, certamente eu não estaria aqui”, disse Pinno.
“Nunca vi algo tão agressivo dessa forma. Naquela proporção, jamais. Eles se valeram de materiais que estavam à disposição. Usavam as estacas das bandeiras, lançavam os gradis de ferros, lançavam as pedras portuguesas, além dos coquetéis molotov.”
A cabo também disse que era “nítida” a ação dos golpistas contra os policiais. “Eles estavam dispostos a tudo, inclusive a atentar contra a nossa vida, como foi feito. Naquele sentido, não eram mais manifestantes. Eram vândalos pelo nível de violência e pelo tudo o que ocorreu. Era perceptivo que eles estavam organizados. Tinham manifestantes que estavam à frente, que tinham luvas para conseguir pegar granadas, por exemplo. Se utilizaram de máscaras para cobrir o rosto. Desta forma, eles estavam organizados. Provavelmente foram orientados”, declarou.
G. Dias culpou PMDF por atos golpistas
Em seu depoimento à CPMI, em 31 de agosto, o ex-ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), Marco Edson Gonçalves Dias, conhecido como G. Dias, afirmou que o bloqueio da Polícia Militar do Distrito Federal (PMDF) na Esplanada dos Ministérios, em 8 de janeiro, estava “extremamente permeável”.
O general da reserva disse que a corporação não cumpriu à risca o planejamento de segurança no local, apesar de ser a responsável. “Assisti ao último bloqueio da Polícia Militar ser facilmente rompido antes que os vândalos chegassem ao Planalto. Aquilo não podia ter acontecido. Só aconteceu porque o bloqueio da Polícia Militar foi extremamente permeável.”
A corporação não teria cumprido o Protocolo de Ações Integradas (PAI), elaborado pela Secretaria de Segurança Pública do DF (SSP/DF). O documento, que previa o reforço do efetivo da Polícia Militar, foi elaborado, em 6 de janeiro, em reunião na Secretaria de Segurança Pública do Distrito Federal com o objetivo de desenvolver o Plano de Apoio Integrado (PAI). Ele visava usar a PM do DF para conter possíveis.
O PAI determinava um bloqueio e revista dos participantes da manifestação nas proximidades do Buraco do Tatu, área da Rodoviária do Plano Piloto. Isso ocorreria no ponto em que o Eixo Monumental deixa de ser exclusivamente uma rota associada aos órgãos de poder de Brasília, passando a se transformar na Esplanada dos Ministérios e, posteriormente, culminando na Praça dos Três Poderes.
“Os manifestantes romperam o cordão de isolamento da PM e impediram a revista. Deveria existir, depois dali um bloqueio total que impedisse o acesso à Alameda das Bandeiras e à Praça dos Três Poderes, e ele aparentemente não existiu, ou foi tênue e inexpressivo”, disse G. Dias. “Na avenida em frente do Palácio, a resistência da PMDF foi vencida. A partir de então, passaram a agir como se tivessem uma coordenação e atuaram como se fossem cercar o Palácio.”
Edição: Rodrigo Durão Coelho