Uma das principais bandeiras do governo Lula, a reindustrialização do Brasil figura também entre os principais desafios no percurso até 2026. Alguns dos obstáculos se impõem há décadas e têm escala global; outros são consequências de conjunturas políticas e econômicas que, ao longo dos últimos anos, resultaram em perda de investimento e competitividade.
Embora tenha embalado nos três primeiros meses de 2023, a produção industrial encolheu 0,6% durante o mês de julho em comparação ao mês anterior e também foi 1,1% menor do que no mesmo período do ano passado. É o que aponta a pesquisa mensal do setor, realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e divulgada nesta terça-feira (5). Quatro dias antes, o órgão havia divulgado que o Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro registrou alta de 0,9% no segundo semestre em relação ao primeiro.
“A primeira informação para esse terceiro trimestre nos dá uma sensação de menor intensidade para a produção industrial como um todo, seja porque em qualquer comparação temos resultados negativos, seja porque temos um perfil disseminado de queda em diferentes cortes. Em termos de categorias econômicas, está bem marcado o perfil de queda, muito puxado pelo setor automobilístico”, explica André Macedo, gerente de Análise do IBGE responsável pelo levantamento.
O setor de veículos automotores, reboques e carrocerias recuou 6,5%, acompanhado de produtos eletrônicos e ópticos (-12,1%) e máquinas e equipamentos (-5%). Ainda segundo o IBGE, no agregado de julho, o setor industrial fica 2,3% abaixo do patamar pré-pandemia, em fevereiro de 2020, e muito longe (18,7%) dos melhores resultados na série histórica, em maio de 2011.
A elevada taxa de juros, que foi reduzida, mas ainda está em 13,25%, é apontada como fator determinante para esse quadro, mas também há influências conjunturais relevantes e que levam certo tempo para contornar. O desaquecimento do mercado interno e a explosão da indústria chinesa ajudam a explicar um pouco do que o economista Alexandre Andrada, professor da Universidade de Brasília, chama de “a década perdida para a economia nacional”.
Segundo Andrada, é notória uma preocupação maior do governo em reverter o aumento da ociosidade de parques industriais, a desatualização de equipamentos e máquinas e o fechamento de fábricas que afetam especialmente o setor de manufaturados e eletrônicos. Setores afetados pela taxa cambial desfavorável e pela prevalência de produtos chineses, sendo uma espécie de “rebote” de uma relação comercial profícua ao Brasil em termos de exportação de commodities.
“Por um lado, a China pode ser uma parceira, pode fazer investimentos, fábricas, bancar alguns setores. Mas do ponto de vista estrutural ela é mais um dificultador nesse processo, porque ela tem uma escala de produção em alguns setores que acaba engolindo a nossa capacidade de concorrer. Isso é uma questão que afeta também vários outros países”, identifica o economista.
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Para o advogado e economista Alessandro Azzoni, conselheiro deliberativo da Associação Comercial de São Paulo (ACSP), a escala produtiva do gigante asiático, além de elevar a demanda por matéria-prima a níveis inéditos, também se manifesta em assédio às empresas nacionais. “Precisamos regulamentar a entrada do capital chinês, porque se deixarmos entrar aqui em um cenário de 5 (reais) para 1 (dólar), eles comprarão tudo”, afirma.
Embora tenha interrompido dois meses seguidos de crescimento, um dos poucos segmentos da indústria que se manteve firme foi o das atividades extrativas, especialmente minério de ferro e petróleo. De maio a junho, a expansão totaliza 4,3% e no acumulado do ano o saldo positivo é de 7%, o que Andrada aponta como uma preponderância da exportação de matérias-primas que se manifesta também no agronegócio.
Sustentabilidade deveria nortear ações
Além de grandes programas como o Projeto de Aceleração da Economia (PAC), que deve ajudar a aquecer a construção civil se somando ao Minha Casa, Minha Vida, o governo federal também deve apresentar outros projetos de incentivo. Entre o final de setembro e o início de outubro, está previsto o lançamento de um pacote que projeta investimentos de até R$ 16 bilhões nos próximos anos para pelo menos cinco setores industriais.
O objetivo é conter a depreciação acelerada através de benefícios fiscais que favoreçam a renovação ou modernização de instalações e equipamentos nas indústrias. Uma iniciativa liderada pelo Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (Mdic) que também mira em eficiência energética e na viabilidade para a transição energética.
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Nesse contexto de renovação, o Brasil teria condições de obter vantagem por ter uma matriz energética mais limpa e enorme potencial para explorar hidrogênio verde. Para Andrada, a popularização dos carros elétricos em todo mundo, por exemplo, seria ainda mais favorável aqui do nos países do Norte global, que possuem matrizes energéticas mais poluentes.
O problema, porém, seria de ordem estrutural e estratégica. Isso porque o dinamismo da economia brasileira ainda depende de setores que não prezam exatamente pela preservação do meio-ambiente. Além da soja, cuja expansão no Centro-Oeste é uma ameaça ao Cerrado, a mineração e a prospecção de petróleo também continuarão sendo valorizados nos próximos anos, e impondo constantes dilemas em termos de impacto.
“O Brasil é uma potência ecológica. Temos a Amazônia, temos pioneirismo em várias questões, em política externa. Por outro lado, nossa economia está cada vez mais calcada em setores não benéficos ao meio ambiente. É importante que o governo sinalize nesse sentido para que tenhamos setores mais sustentáveis, indústrias mais sustentáveis, que façamos essa transição para a economia de baixo carbono”, impele.
Setor automotivo patina e corre contra o tempo
Um dos setores industriais que os governos tradicionalmente mais investem é o automotivo, modal privilegiado historicamente e que corresponde a uma cadeia produtiva extensa. No fim de maio, a equipe econômica já havia reduzido os impostos para baratear o preço dos carros populares zero-quilômetro. Medida que até foi renovada em junho, mas cujos efeitos foram apenas paliativos frente a um contexto de juros altos e poder de compra menor.
“Como foi favorecido pelas desonerações fiscais, [o setor] deveria rebater positivamente dentro da produção, mas essas medidas favoreceram muito mais a desova do estoque que estava muito carregado, então favoreceu muito mais as vendas do que a produção. Não por acaso, as próprias montadoras nesses dois meses, nós observamos muitas delas oferecendo férias coletivas, redução de jornadas de trabalho, fazendo alguns ajustes para a demanda que existe neste momento”, reflete o gerente de análise do IBGE, André Macedo.
Já para Azzoni, a pouca eficiência do programa já era esperada em um contexto de juros elevados e com os descontos sendo absorvidos dentro dos financiamentos. Ele relembra os descontos sobre o Imposto Sobre Produtos Industrializados (IPI) concedidos pela ex-presidenta Dilma Rousseff (PT) a partir de 2011 para carros, produtos da linha branca e móveis como exemplo de que a desoneração pode resultar em superávit.
“Num primeiro momento, lógico que a desoneração traz perda de arrecadação, mas naquele momento deu certo porque tínhamos juros mais baixos e o poder de compra das famílias estava maior, apesar da recessão”, diz. Nesse sentido, o advogado vê a influência direta da autonomia do Banco Central, da qual ele diz ser favorável para evitar excessos de governos, mas que também apresenta dificuldades.
“Até o meio do governo Bolsonaro, nós tínhamos o Banco Central como uma ferramenta do governo, hoje ele é autônomo. Hoje ele trava completamente o processo, porque eu vou desonerar para baixar preço, para vender. Aí o Banco Central fala que se vender vai dar inflação, então aumenta os juros. A política que eu faço para estimular a venda, o Banco Central inibe por medo da inflação, como ocorreu com os automóveis”, aponta.
Mesmo com tantas travas, as políticas macroeconômicas apresentadas pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, são bem vistas pelos analistas, de modo geral. Além de ajudarem a simplificar a tributação e fixar metas, também são acompanhadas de um cenário político mais estável e relações externas mais ativas do que no governo passado.
“O governo tem olhado para esse sentido, então tem a reforma tributária em que o setor industrial foi o menos onerado. Praticamente não teve nenhum incremento tributário, o que foi tributado foi [o setor de] serviços e não mexeu na indústria, que estava numa situação precária então tinha que de certa forma estimular. Já é um sinal”, observa Azzoni.
A expectativa é que a atividade industrial possa se beneficiar em termos de infraestrutura, de pesquisas e inovação para aproveitar seu potencial e abrir trincheiras no mercado internacional. Dentre as possibilidades de exportar produtos com valor agregado, Andrada cita como exemplo a retomada dos investimentos em refinarias e a possibilidade de beneficiar commodities em que o Brasil tem uma produção relevante, como o café.
“O Brasil é o maior produtor e exportador de café do mundo, literalmente há 200 anos. Só que o nosso café exportado nem torrado é, exportam o cru mesmo. E a Alemanha, que não produz, é a quarta ou quinta, porque compra o café brasileiro e de outras partes do mundo, faz a torra, faz aquelas cápsulas que são um blend. O Brasil até tentou entrar nesse mercado, mas não foi muito bem sucedido porque é um produto caro para o brasileiro. Mas ainda é uma coisa que o governo pode fazer: pesquisar mais o café, fazer cápsulas ou outros processos e fortalecer a marca do café brasileiro no exterior como faz a Colômbia, que inclusive produz muito menos”, cita.
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Mesmo que o processo seja mais lento do que o esperado, o professor acredita que a recuperação econômica do Brasil já começou. “A coisa caminhando, o país voltando a crescer de uma maneira sustentável, todo ano um pouquinho, já reaviva o mercado interno. E tendo uma volta da normalidade política tende a ajudar. A tendência é que o Brasil volte a ser um país atraente para investimentos, porque tem uma cadeia de consumo grande e variada, então em geral o Brasil é um bom lugar para se investir”, finaliza.
Edição: Geisa Marques