No aniversário de 32 anos, o MAB (Movimento dos Atingidos por Barragens) está com “esperança no novo governo para reverter a privatização da Eletrobras”.
A afirmação é de Alexania Rossato, integrante da Direção Nacional do MAB, em entrevista ao programa Bem Viver na edição desta terça-feira (14).
O projeto de privatizar a Eletrobras foi anunciado em 2017, no governo do ex-presidente Michel Temer (MDB) e concluído na gestão Bolsonaro (PL). A venda foi autorizada pelo Congresso em 2021 e, em fevereiro do ano seguinte, ganhou o primeiro aval do TCU (Tribunal de Conta da União), que consolidou o processo em maio.
O julgamento do Tribunal foi concluído sem unanimidade. Foram 7 votos a favor da venda pelo Estado do controle da maior empresa de energia do país. O único ministro que votou contra a desestatização da empresa foi Vital do Rêgo, que apontou erros nos cálculos apresentado pelo governo, que teriam desvalorizado a empresa.
“Trata-se de desfazimento de patrimônio da União por valor menor do que ele de fato representa”, pontuou do Rêgo, em sessão do TCU realizada em abril do ano passado.
Alexania Rossato enfatiza que “uma das nossas [MAB] pautas é a reestatização da Eletrobras. Parece uma contradição, porque é uma gigante do setor de energia que ao longo de anos construiu barragens e tem uma dívida histórica com a população. Mas nós entendemos que o setor energético, por ser estratégico, tem que ficar na mão do Estado brasileiro. A gente tem muita esperança no governo que entra e essa é uma das expectativas”.
Em setembro do ano passado, o governo federal realizou o primeiro leilão para compra de energia gerada em usinas termelétricas imposto ao Estado pela lei que autorizou a privatização da Eletrobras. Conforme movimentos populares já haviam alertado, o leilão obrigou o governo a comprar energia mais cara que a habitual e contribuirá, portanto, com o aumento do custo da energia elétrica no país.
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O leilão contratou 754 megawatts (MW) de três usinas termelétricas, todas elas localizadas na região Norte do país. A expectativa era que 2 mil MW fossem contratados –1 mil MW no Norte e outro 1 mil MW na região Nordeste. Por falta de interessados em fornecer toda essa quantidade de energia, isso não foi possível.
Política Nacional de Atingidos por Barragens
Outro objetivo apontado por Rossato para este aniversário de 32 anos do MAB é a instituição de uma Política Nacional de Atingidos por Barragens. Segundo a liderança, “falta uma lei definidora para amparar situações de desastres, que nós chamamos de crimes, quando há um rompimento de barragens”
“Não podemos aceitar que novas Marianas ou Brumadinhos aconteçam”, enfatiza a dirigente em referência aos casos que aconteceram em Minas Gerais em 2015 e 2019, respectivamente, e mataram quase 300 pessoas.
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Outro ponto defendido pela liderança do MAB é a necessidade da criação do Fundo para amparar a população atingida nestes casos.
A esperança da liderança é alimentada por uma fala do presidente Lula, ainda em 2009. “Foi durante um evento do MAB que, pela primeira vez, um presidente brasileiro afirmou que o Estado tem uma dívida histórica com os atingidos por barragens”.
Rossato acredita que, 14 anos depois, no novo mandato, Lula pode fazer valer as suas palavras.
32 anos de luta
Em 14 março de 1991, um movimento que já estava articulado em diversos estados pelo país se uniu e consolidou a mais importante articulação nacional de defesa às populações afetadas pela construção de hidrelétricas: o MAB (Movimento dos Atingidos por Barragens).
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“Antes de 1991, nós tínhamos uma organização dos atingidos, era uma atuação pulverizada regionalmente, que funcionava em diferentes partes do país onde havia barragens em construção, por exemplo, nos rios São Francisco, Tucuruí e Itaipu. Isso tudo aconteceu na época da ditadura militar”, relembra Alexania Rossato.
“Já havia resistência nacional, ninguém aceita, parado, ser expulso de suas terras”, define Rossato, assumindo que o movimento “ainda tem idade de jovem, mas já somos adultos.”
A consolidação do 14 de março como um marco para a população atingida por barragens aconteceu apenas seis anos depois do primeiro encontro. Houve, em Curitiba, no Paraná, o I Encontro Internacional de Atingidos por Barragens, com delegações de 20 países. No último dia, foi aprovada a declaração de Curitiba, que oficializou o dia 14 de março como o Dia Internacional de Luta contra as Barragens, Pelos Rios, Pela Água e Pela Vida.
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No estatuto do MAB, o Movimento define que o objetivo é “defender os interesses das populações atingidas pelo sistema de geração, distribuição e venda da energia elétrica.”
Mas, Alexania Rossato é mais direta: “o Brasil pode ser livre de barragens”. O desafio ousado da liderança, que fala em nome de todo o Movimento, é baseado em dados e também em fatos recentes, como os crimes de Mariana e Brumadinho.
“Nós, aqui no MAB, temos um entendimento que o país não precisa de novas usinas hidrelétricas. A capacidade de produção do país dá conta e ainda sobra. A energia elétrica tem que ser utilizada, ela é fundamental, obviamente não somos contra, muito pelo contrário, nós entendemos perfeitamente a necessidade.
“O que a gente questiona é quem é dono, principalmente, depois dos processos de privatização. Quem ganha dinheiro com isso? virou um grande comércio”, finaliza Rossato.
Para a dirigente, o grande debate não é sobre as matrizes energéticas. “Nada adianta mudar a origem da produção se não mudar quem são os donos. Podemos apostar na solar ou na eólica, mas não vai mudar em nada se quem mandar for o mesmo”.