O Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (Conar) divulgou nesta segunda-feira (10) que abrirá um procedimento para apurar possíveis violações éticas no comercial da Volkswagen que recriou a imagem de Elis Regina (1945-1982) com o uso de inteligência artificial (IA).
Como sua designação aponta, o Conar é constituído e gerido por representantes de empresas de publicidade – sem qualquer ligação com o poder público. De acordo com o Portal Uol, a decisão do Conselho ocorre após questionamento de consumidores. Uma das câmaras do Conselho de Ética do Conar devem avaliar o caso.
Concretamente, será investigado se o uso de IA para simulação de uma pessoa morta fere algum dispositivo do Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária, elaborado pela própria entidade.
Tanto a Volkswagen, que contratou a campanha em comemoração aos 70 anos de sua presença no Brasil, quanto a AlmapBBDO, agência responsável pela peça, devem ser acionadas pelo Conar para se manifestarem. Os julgamentos no Conselho de Ética costumam ocorrer cerca de 45 dias após o Conar abrir formalmente as reclamações.
Cantora se posicionou contra a ditadura, que foi apoiada pela Volks e outras empresas
Elis Regina morreu aos 36 anos, em 1982. Tanto ela como Belchior (1946-2017) – o autor de Como Nossos Pais, interpretada por Elis e usada na propaganda – foram grandes nomes da luta contra as barbaridades da ditadura militar (1964-85) e a marca Volkswagen apoiou os governos do período.
A empresa não só apoiou, como ajudou e, depois, lutou para que esse passado vergonhoso não fosse descoberto. Enquanto Elis, mesmo não estando viva há décadas, é lembrada por ter cantado músicas que criticaram o regime.
Há anos, o Brasil de Fato vem denunciando partes dessa história. Em 2017, o jornal entrevistou Lucio Antonio Bellentani, preso e torturado em 1972 na própria fábrica da Volkwswagen, em São Bernardo do Campo (SP), onde trabalhava, acusado de ser militante comunista.
A denúncia sobre a atuação da Volkswagen e outras empresas foi aceita pelo Ministério Público em 2015 com base nos relatos recolhidos pela Comissão Nacional da Verdade (CNV). A partir dessa coleta, o MP gerou um inquérito civil, que buscou uma reparação simbólica.
O caso da Volkswagen é apontado como o primeiro que trata da responsabilização de uma empresa por grandes violações de direitos humanos nos chamados “anos de chumbo”, que compreendem o período entre 1964 e 1988.
Apesar de ter assinado um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), em 2020, que envolveu um pagamento de R$ 36,3 milhões pela empresa ter colaborado com a ditadura militar, ela se negou a criar espaços para contar essa memória.
“A Volks se tornou um símbolo, porque ela conseguiu ligar a questão da exploração violenta dos seus trabalhadores, operários, assalariados com uma repressão histórica, que era o nazismo. Então, fazia essa ligação infeliz”, disse o historiador e presidente do Instituto Astrojildo Pereira, José Luis Del Roio em entrevista ao Brasil de Fato em 2020.
Não foi a primeira vez que o envolvimento da empresa com a ditadura causou críticas a um de seus comerciais.
Em 2021, organizações responsáveis pela investigação que embasou denúncia sobre a participação da Volkswagen na perseguição de trabalhadores durante a ditadura militar se posicionaram contra o anúncio que a empresa alemã publicou em veículos de imprensa.
No anúncio, a empresa afirmava lamentar e se solidarizar com “as violações de direitos humanos ocorridas naquele momento histórico”, não deixando claro que a investigação realizada pela CNV, comprovou, por meio de extensas provas documentais, que a mesma teve ampla participação nessas violações cometidas durante o período.
Em comunicado, as entidades participantes da CNV afirmaram que a empresa “tentou transformar a luta por memória, verdade, justiça e reparação em oportunidade para produzir uma peça de marketing em seu favor, apresentando-se como paladina da luta contra as atrocidades cometidas”.
No último mês de maio, a Agência Pública divulgou uma série de reportagens sobre o envolvimento de empresas no Brasil com os governos militares.
Não só Volkswagen, como Petrobras, Fiat, Companhia Docas de Santos, Itaipu, Josapar, Paranapanema, Cobrasma, Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), Aracruz e Folha de S.Paulo foram relacionadas a algum tipo de violação de direitos durante o período.
Edição: Leandro Melito