A privatização de duas refinarias da Petrobras está por trás da alta do preço do gás de cozinha na Bahia e no Amazonas a partir do início de 2022, último ano do governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).
As duas refinarias vendidas ficam nos dois estados. De lá, produzem e fornecem o gás de cozinha. Desde que passaram a ser controladas pela iniciativa privada, adotaram políticas de preços que prejudicaram a população local.
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Dados da Agência Nacional do Petróleo (ANP) tabulados pelo Observatório Social do Petróleo (OSP) comprovam o prejuízo.
Na Bahia, o preço médio de um botijão de gás de 13kg era cerca de 7% menor do que a média nacional (R$ 95 contra R$ 102,3) antes da privatização, em dezembro de 2021. Atualmente, o mesmo botijão é aproximadamente 1% mais caro (R$ 102,8 contra R$ 101,8).
Já no Amazonas, o botijão custava cerca de 3% mais caro do que no restante do país antes da venda da refinaria, em dezembro de 2022 (R$ 112,9 contra R$ 109,7). Hoje, essa diferença ultrapassa os 17% (R$ 119,8 contra R$ 101,8).
“A explicação para esses preços é a privatização”, resumiu Eric Gil Dantas, economista do OSP e que acompanha regularmente a evolução do preços dos combustíveis no país. “A Petrobras consegue praticar preços mais baixos porque é uma empresa integrada: extrai e refina petróleo. E também porque, sendo uma empresa pública, não tem como único objetivo a maximização de seus lucros.”
Até novembro de 2021, a Petrobras controlava a Refinaria Landulpho Alves (Rlam), na Bahia. No dia 1º de dezembro, ela foi transferida para a empresa Acelen, que pertence ao fundo Mubadala Capital, dos Emirados Árabes. O negócio envolveu cerca de R$ 8 bilhões.
Após a privatização, a Rlam passou a chamar-se Refinaria de Mataripe. A empresa fez reajustes sucessivos no preço do gás de cozinha e também da gasolina e do diesel. No caso específico do gás, ela chegou a reduzir a produção do derivado em novembro do ano passado. Isso fez com que o botijão na Bahia custasse até 5% a mais do que a média nacional na época (R$ 115,50 contra 110).
Já a Refinaria Isaac Sabbá (Reman) foi vendida para o grupo Atem por cerca de R$ 1,3 bilhão. Também mudou de nome. Passou a chamar-se Refinaria da Amazônia (Ream).
Um levantamento da OSP realizado em junho apontou que a Ream vendia o gás de cozinha mais caro do Brasil. Às distribuidoras, um botijão de gás da Ream custava 42% a mais do que um botijão produzido pela Petrobras (R$ 47 contra R$ 33, na época).
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A Acelen informou que os preços da Refinaria de Mataripe “seguem critérios de mercado que levam em consideração variáveis como custo do petróleo, adquirido a preços internacionais, dólar e frete”.
Já a Atem informou que compra 90% do gás vendido da Ream da Petrobras. Acrescentou que, quando assumiu a refinaria, teve que ajustar preços para suprir os custos na logística de transporte do produto. “As demais alterações foram apenas repasse no valor da Petrobras”.
A Associação Brasileira de Refino Privado (Refina Brasil) afirmou que as refinarias privadas não conseguem praticar preços tão baixos quanto a Petrobras porque a estatal fornece a elas petróleo a preços mais altos, usando assim “práticas concorrenciais lesivas”.
Distribuidoras lucram
Dantas, do OSP, também chamou a atenção para os efeitos da privatização da distribuidora Liquigás no preço do botijão não só na Bahia e no Amazonas, mas nacionalmente. A empresa pertencia a Petrobras. Passou para o controle das concorrentes Copagaz e Nacional Gás e da Itaúsa em dezembro de 2020, durante a gestão Bolsonaro. O negócio envolveu R$ 4 bilhões.
Depois disso e sem a concorrência de uma empresa pública, distribuidoras de gás aumentaram sua margem de lucro. Em dois anos, ela subiu 69%, de acordo com a OSP, baseada em dados da ANP e da Petrobras.
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A parcela do preço do botijão de 13kg relacionado ao trabalho das distribuidoras e revendedoras subiu de R$ 31,91, em junho de 2021, para R$ 53,99, em junho de 2023.
“A venda da Liquigás gerou uma concentração do mercado, que é formado só por empresas privadas”, explicou Dantas. “Se essas empresas mantivessem a mesma margem de dois anos atrás, o gás no Brasil poderia ser R$ 20 reais mais barato, o que iria gerar muito mais consumo por parte da população brasileira.”
Lenha vira alternativa
Em meio aos aumentos, o uso do gás de cozinha no país caiu 1,8% em 2022. Já o da lenha subiu 1% e atingiu o maior volume em 13 anos.
Os dados estão no Balanço Energético Nacional 2023, divulgado pela Empresa de Pesquisa Energética (EPE) no final de junho.
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No ano passado, famílias brasileiras queimaram 24,2 milhões de toneladas de madeira para fazer fogo. Foram 255 mil toneladas a mais do que em 2021. Em compensação, gastaram 188 mil metros cúbicos de gás a menos. “O consumo de lenha em 2022 foi o maior desde 2009. Já a demanda de GLP foi a menor da década”, acrescentou Dantas.
Segundo ele, essa mudança não é circunstancial e teve relação também com a antiga política de preços de combustíveis da Petrobras. De 2016 a abril de 2023, a estatal vendeu gasolina, diesel e gás com base no chamado PPI (Preço de Paridade de Importação). Isso equiparou preços locais aos do mercado internacional e acarretou em aumentos.
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De acordo com Dantas, de 2016 a 2022, o preço médio de um botijão de gás no país subiu 50% em termos reais, já descontada a inflação. No ano passado, o botijão de 13kg custava em média R$ 112. Em 2016, ele custava R$ 74 – valor corrigido pela inflação.
Desde 2018, a lenha é a segunda fonte de consumo de energia nos lares no Brasil, de acordo com a EPE. Em 2022, ela representou 26% da matriz energética residencial. A eletricidade é a fonte mais utilizada, presente em 46% das residências do país. A terceira fonte de consumo é o gás de cozinha, que responde por 22% da matriz.
Edição: Thalita Pires