O ministro Alexandre de Moraes votou contra a tese do marco temporal no julgamento do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre o assunto, que foi retomado nesta quarta-feira (7). A discussão do tema, entretanto, foi suspensa após pedido de vistas do ministro André Mendonça, devendo ser retomada até o mês de outubro.
Moraes foi o primeiro a votar na data. Desde o início, o magistrado indicava que rejeitaria a tese que sustenta que apenas terras ocupadas por indígenas na data da promulgação da Constituição de 1988 poderiam ser demarcadas. Com seu voto, o julgamento se encontra com dois votos a favor dos povos indígenas e um contra.
Anteriormente, o relator do caso, Edson Fachin, já havia votado contra o marco temporal. Nunes Marques, por sua vez, tinha se manifestado a favor da tese. Moraes, que falou em “invasão colonial” ao iniciar seu voto, apresentou pequenas divergências com Fachin. “A falta de reparação não é primazia de países em desenvolvimento, como o Brasil. Não há um modelo único a se seguir”, disse.
A tônica de Moraes foi a necessidade de garantir a “paz social” por meio da compatibilização de direitos. “Há a necessidade de se garantir os direitos de posse das terras tradicionais sem relegar as pessoas de boa-fé”, afirmou.
O voto
Moraes afirmou que a aceitação da tese do marco temporal para todos os casos resultaria em “grandes injustiças”. Segundo ele, a tese “impediria o poder público de demarcar novas terras em que não se comprovasse o marco temporal, mesmo que comprovadamente tivéssemos a realidade de que a comunidade indígena foi retirada à força de sua terra”.
Ao apresentar seu voto, Moraes ressaltou que a adoção do marco visando garantir o direito de propriedade, violaria, do outro lado, direitos dos povos indígenas garantidos na Constituição: “A opção nua e crua pelo marco temporal é uma opção pela segurança jurídica. Mas haveria situações em que a segurança não garantiria a paz social. Nós estaríamos ignorando totalmente direitos fundamentais de povos indígenas, mesmo sabendo que a área é reconhecidamente indígena”.
O argumento central de Moraes se fundamentou também nos casos, muito comuns, em que comunidades são expulsas de seus territórios. “Não se pode ignorar a situação das comunidades que não ocupavam suas terras por circunstâncias alheias à sua vontade”, apontou. “Será que é possível não reconhecer essa comunidade?”
Moraes, ao rejeitar a tese do marco temporal, estabeleceu cenários distintos não para a demarcação de terras, mas para a indenização. Para o ministro, caso a terra estivesse ocupada em 1988 ou sendo disputada pelos indígenas, os ocupantes não-indígenas das áreas devem ser indenizados apenas por benfeitorias feitas no local. Caso, em outro contexto, indígenas tenham saído de suas terras de forma não-voluntária e o local tenha sido ocupado por outras pessoas sem relação com a expulsão dos indígenas, estas pessoas devem ser integralmente indenizadas, inclusive pelos terrenos.
A ideia é de que quem ocupou área indígena sem condições de saber que se tratava de área tradicional, não pode ser penalizado em caso de indenização.
“Não é culpa das comunidades indígenas, é culpa do poder público. É uma omissão do poder público, que não faz gestão de terras. Não falta terra no Brasil, falta a gestão dela”, sustentou Moraes.
Em alguns casos, ainda, Moraes aventou em seu voto a possibilidade de que indígenas possam ser compensados em outras áreas caso haja muitas limitações práticas à delimitação.
E se for aprovado?
A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil lançou nesta quarta-feira (7) o relatório Riscos e violações de direitos associados à tese do marco temporal. O texto prevê os efeitos danosos do marco temporal das terras indígenas no aquecimento global e na integridade da sociobiodiversidade amazônica.
Elaborado em parceria com a Fundação Getúlio Vargas (FGV) e a Comissão Arns e com o apoio do Instituto Clima e Sociedade (ICS) e Da Amazon Watch, o estudo indica que as terras indígenas estocam volumes consideráveis de gases de efeito estufa e são responsáveis por resfriar o planeta.
“A importância desses territórios preservados é tamanha que, caso fossem substituídos por pastagens ou por culturas agrícolas, a temperatura da região aumentaria, respectivamente, em 6,4ºC e 4,2ºC”, diz um trecho do documento.
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“[As terras indígenas] compõem o ciclo hídrico global – suas árvores transpiram 5,2 bilhões de toneladas de água diariamente – e o regional – contribuindo com as chuvas das regiões Sul e Sudeste por meio dos chamados rios voadores”, afirma o documento.
Entre as conclusões apresentadas no documento, a Apib ressalta que a tese do marco temporal coloca em risco os serviços ambientais gerados por terras indígenas e terá efeitos de longo prazo no aumento da emissão de gases de efeito estufa, especialmente na Amazônia brasileira.
Historicamente, os territórios indígenas demarcados são as áreas da Amazônia brasileira com os menores índices de desmatamento.
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“Os povos indígenas e suas florestas fazem chover”, aponta o relatório. O trecho se refere à produção do vapor de água nas áreas preservadas. Os chamados rios voadores se movem ao redor do planeta e regulam o regime de chuvas, permitindo inclusive a atividade agropecuária no Sul e Sudeste brasileiros.
“O caso do Parque Indígena do Xingu (PIX) é um bom exemplo disso. Estima-se que 40% da unidade de chuva que abastece os sojeiros ao redor do PIX provém das florestas protegidas pelos indígenas, ou seja, é a TI que permite que a produção agropecuária aconteça”, mostra o documento.
Edição: Rodrigo Durão Coelho