Por Vera Rosa e Isabella Alonso Panho
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva minimizou nesta quinta, 25, o esvaziamento das atribuições dos ministérios do Meio Ambiente e Mudança Climática e dos Povos Originários, mas há um novo embate entre o governo e a bancada ruralista no Congresso. O Plano Safra, que deve ser anunciado até junho, se consolida como um novo foco de disputa. Integrantes da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) têm reclamado da falta de informações sobre o volume de recursos para a nova edição do plano, diante das altas taxas de juros, e mostram preocupação com o prazo exíguo para os repasses.
O ministro da Agricultura, Carlos Fávaro (PSD), se reuniu ontem com o titular da Fazenda, Fernando Haddad, e disse ter levado à equipe econômica uma proposta para aumentar a verba destinada ao Plano Safra. “Quando olhamos para 2022 e 2023, o que compete ao Ministério da Agricultura ficou em torno de R$ 3,8 bilhões. O nosso pleito é pela equivalência do que foi 2014, pelo menos”, afirmou Fávaro, numa referência a uma espécie de subsídio dado aos produtores rurais. Naquele ano da gestão de Dilma Rousseff (PT), as equalizações de juros, em valores nominais, ficaram em R$ 11,6 bilhões.
Foi a pressão da bancada ruralista no Congresso que impôs derrota para o governo na comissão especial formada por deputados e senadores para tratar da Medida Provisória (MP) dos Ministérios. O colegiado misto aprovou anteontem parecer que enfraqueceu as pastas chefiadas por Marina Silva e Sônia Guajajara. O texto retira a Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA) e a Política Nacional de Recursos Hídricos da pasta do Meio Ambiente e passa para o Ministério da Integração e Desenvolvimento Regional. No caso do ministério comandado por Sônia Guajajara, a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) é transferida para a pasta da Justiça, do ministro Flávio Dino. O texto aprovado ainda precisa passar por votações nos plenários da Câmara e do Senado em um curto prazo. A MP tem validade até o dia 1.º de junho.
Em outro tema caro aos ruralistas, horas depois foi aprovada, na Câmara, a urgência do projeto de lei que trata da adoção de um marco temporal para a demarcação de terras indígenas no País. O texto principal poderá ser votado na semana que vem, antes de o Supremo Tribunal Federal (STF) retomar o julgamento de uma ação sobre o tema. A tese do marco temporal – que o STF pode e tende a derrubar – prevê que as demarcações só podem contemplar povos que já ocupavam as terras antes e até a promulgação da Constituição em vigor, em outubro de 1988.
Neste projeto, o líder do governo Lula na Casa, José Guimarães (PT-CE), liberou o voto da base aliada – ou seja, não orientou para que votassem contra a urgência na tramitação do marco temporal, contrariando inclusive discursos do então candidato Lula no ano passado. Já na comissão especial que analisou a MP dos Ministérios, quatro parlamentares do PT deram aval às mudanças.
‘Resistir’
No dia seguinte aos reveses, Marina falou em “resistir” à situação e comparou o cenário atual ao de um violinista que permanece tocando em um concerto após as cordas de seu instrumento estourarem e, mesmo assim, encanta a plateia. “Eles estão transformando a MP da gestão do governo que ganhou na MP do governo que perdeu, em várias agendas, sobretudo a agenda ambiental e dos povos indígenas, mas temos de resistir e vamos resistir, manejando essa contradição, criando alternativas, buscando soluções e cuidando do legado”, disse ontem, ao discursar durante a cerimônia de posse do presidente do ICMBio, Mauro Pires.
O Planalto também se mobilizou para tentar reduzir o impacto negativo dentro e fora do governo. Lula convocou para hoje uma reunião com Marina e Sônia Guajajara. Ao participar de cerimônia do Dia da Indústria na sede da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), na capital paulista, o presidente classificou a intervenção do Congresso como “normal”.
“Tem dias que a gente acorda com notícias parecendo que o mundo acabou. Eu fui ver o que estava acontecendo, era a coisa mais normal”, disse o presidente a empresários. “Até então a gente estava mandando a visão de governo que nós queríamos. A comissão no Congresso Nacional resolveu mexer”, continuou. “Agora começou o jogo. Nós vamos jogar, vamos conversar com o Congresso, vamos fazer a governança.”
A preocupação maior do governo é com a fragilidade política da ministra do Meio Ambiente, que também enfrenta desgaste na queda de braço com o Ministério de Minas e Energia sobre a proposta de exploração de petróleo na foz do Rio Amazonas. O ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, garantiu, em entrevista Estadão/Broadcast, sistema de notícias em tempo real do Grupo Estado, que a saída de Marina da pasta não foi discutida na gestão Lula. Segundo ele, Marina tem um papel importante de “sustentar” a agenda ambiental do governo.
“Vamos debater com o Congresso”, afirmou Padilha, destacando que o governo estará “com os instrumentos” preparados caso a decisão seja confirmada. “Para garantir o papel, a função dessas estruturas como a ANA e a política nacional de recursos hídricos extremamente sintonizada com o Ministério do Meio Ambiente e com a agenda da sustentabilidade.”
Na mesma linha, Lula concluiu sua avaliação sobre as derrotas no Congresso afirmando que é preciso não “se assustar com a política”. “Quando a sociedade se assusta com a política e começa a culpar a classe política, o resultado é infinitamente pior. É na política que se tem as soluções dos grandes e pequenos problemas do País.”
FPA
O governo petista, contudo, enfrenta um embate permanente com a bancada ruralista. Sobre o Plano Safra, o ministro da Agricultura disse que o Executivo busca mecanismos para permitir que o mercado financie a agropecuária, sem a participação do Tesouro Nacional. Além disso, destacou que a liberação de uma linha de crédito rural em dólar, feita pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, é uma “política inédita”.
Mas representantes do agro indicam preocupação com os recursos necessários para cobrir os juros e a liberação da verba a tempo de fazer o planejamento da safra. Ex-ministra da Agricultura, a senadora Tereza Cristina (PP-MS) vai conversar com Fávaro na próxima segunda-feira. “Os valores do Plano Safra, pela nossa entidade, têm uma necessidade de R$ 25 bilhões para equalização de juros e R$ 400 milhões para operações”, disse o presidente da FPA, deputado Pedro Lupion (PP-PR).
O Estadão apurou que existe uma disputa, nos bastidores, entre a Agricultura e o Ministério do Desenvolvimento Agrário, comandado por Paulo Teixeira (PT), pela divisão dos valores entre pequenos, médios e grandes produtores rurais.
Em funcionamento na Câmara, a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do Movimento dos Sem Terra (MST) também virou outro problema para o governo porque tem servido de palco para o confronto entre a bancada ruralista e o PT. (COLABORARAM GIORDANNA NEVES E LORENNA RODRIGUES)