Peças foram escondidas e protegidas por funcionários públicos
A Itália inaugurou uma exposição neste fim de ano para apresentar ao público cerca de 100 obras-primas de artistas do país que foram escondidas e protegidas por “guardiões” da cultura que impediram que elas caíssem nas mãos do regime nazifascista.
Chamada de “Arte Liberada 1937-1947. Obras-primas salvas da guerra”, a mostra ficará aberta ao público até o dia 10 de abril de 2023 no museu Scuderie del Quirinale, em Roma. Além das esculturas e quadros, a exposição apresentará fotos, documentos e áudios daqueles que fizeram de tudo para preservar o patrimônio.
Segundo a organização, a ideia é, além de apresentar a arte ao público, “fazer uma homenagem às mulheres e aos homens que, na dramática crise bélica, interpretaram a própria profissão no ensinamento de um interesse em comum, conscientes da universalidade do patrimônio que precisava ser salvo”.
Os principais “homenageados” são os superintendes e funcionários da antiga Administração de Belas Artes que foram afastados de suas funções após se negarem a aderir à chamada “República Social Italiana (RSI)” ou “Repubblica di Salò”, o regime colaboracionista entre os fascistas comandados por Benito Mussolini e os nazistas de Adolf Hitler.
“Pessoas que, sem armas e recursos limitados, tomaram consciência do que recaía sobre as obras de arte, colocando-se na linha de frente, conscientes do valor educacional, de identidade e também comunitário da arte”, acrescentam os organizadores.
Entre os nomes destacados, estão Giulio Carlo Argan, Palma Bucarelli, Emilio Lavagnino, Vincenzo Moschini, Pasquale Rotondi, Fernanda Wittgens, Noemi Gabrielli, Aldo de Rinaldis, Bruno Molajoli, Francesco Arcangeli, Jole Bovio e Rodolfo Siviero.
Segundo os organizadores, o plano para salvar obras de arte foi iniciado pelo então ministro da Educação italiano, Giuseppe Bottai, um dos mais famosos teóricos do fascismo que, após atuar no governo, ajudou a derrubar Mussolini e lutou contra os alemães. Por isso, chegou à ser condenado à morte, mas com o fim da RSI, pode voltar para sua casa.
O plano definia quais eram as “obras-primas”, as de “segundo nível” e as que iriam ficar para trás porque “não era possível salvar tudo”.
O maior dilema, conforme os pesquisadores, era definir o que iria ser salvo e, por isso, até mesmo especialistas em arte do Vaticano ajudaram os italianos de maneira sigilosa.
Em uma operação complexa, os itens a serem salvos foram para o próprio Vaticano e para locais seguros nas regiões de Lazio, Toscana, Nápoles, Marcas, Emilia-Romagna e cidades no norte do território.
Só um dos homens que atuou na operação, o então jovem superintendente de artes da região as Marcas, Pasquale Rotondi, conseguiu proteger cerca de 10 mil obras vindas de Veneza, Milão, Urbino e Roma.
Exposição
A peça que abre a exposição é o “Discóbolo de Lancelotti”, uma das estátuas em mármore que reproduzem o famoso “Discóbolo” do escultor grego Míron, que mostra um atleta pouco antes do lançamento de disco.
A obra de arte foi comprada por Hitler por 5 milhões de liras italianas, mesmo que a venda tenha sido vetada pela Administração de Belas Artes.
Já o item que fecha a mostra é a pintura “Danae”, de Ticiano, que o marechal e ministro nazista Hermann Göring comprou para colocar em seu quarto e que, após um ataque que destruiu seu palácio, sobreviveu de maneira inacreditável.
“A história sobre a proteção em tempos de guerra serve de alerta sobre os riscos que o patrimônio artístico sofre. Eles foram colocado a salvo por intérpretes de uma verdadeira epopeia real. Os gestos heroicos deles constituem um exemplo de patriotismo e de senso de dever, testemunhando a eficácia da ação de uma geração inteira de funcionários de Estado que salvaram um imenso patrimônio italiano”, ressalta o presidente das Scuderie, Mario de Simoni.