O governo federal pretende resolver com uma negociação com trabalhadores e empresários seu impasse com o Congresso Nacional acerca da chamada desoneração da folha de pagamento para companhias de 17 setores econômicos. A desoneração abre espaço para que essas empresas reduzam sua contribuição patronal à Previdência Social calculada sobre o salário de seus funcionários.
A medida entrou em vigor em 2012 baseada numa lei sancionada pela então presidenta Dilma Rousseff (PT). Deveria ter vigência temporária, mas acabou sendo prorrogada ao longo dos anos. A última prorrogação foi aprovada pelo Congresso Nacional em outubro. Os parlamentares estenderam a desoneração até 2027.
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O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) chegou a vetar integralmente a prorrogação. Argumentou que a Reforma da Previdência, de 2019, proibiu medidas que pudessem comprometer a arrecadação para custeio de aposentadorias. O veto, contudo, foi derrubado também por decisão do Congresso Nacional.
O governo, então, editou uma Medida Provisória (MP) argumentando que o fim da desoneração era necessário para equilibrar as contas públicas. A MP restabeleceu parcialmente a cobrança das contribuições. Ela, porém, gerou uma reação do Congresso, que não viu com bons olhos a insistência do governo num tema já debatido ali.
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O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), disse nesta terça-feira (9) que discute com lideranças da Casa a possibilidade de devolver a MP ao governo. Se isso ocorrer, ela perderia validade sem sequer ter sido apreciada pelos parlamentares.
Segundo Pacheco, uma decisão sobre uma eventual devolução sairá ainda em janeiro, ou seja, durante o recesso parlamentar. Antes de ela ser anunciada, porém, Pacheco prometeu conversar com o ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT).
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“Pretendemos tomar essa decisão ainda no recesso, até porque é muito importante ter estabilidade jurídica”, afirmou ele, no final da manhã. “Não tomarei uma decisão de devolução integral ou parcial sem conversar com o ministro Fernando Haddad. É muito importante haver esse diálogo entre o Legislativo e o Executivo.”
Naquela hora, o ministro do Trabalho e Emprego, Luiz Marinho (PT), se reunia com representantes das centrais sindicais no Ministério da Fazenda para falar da desoneração. Após a reunião, ele disse que espera que Pacheco não devolva a MP para que ela siga valendo enquanto o governo discute com empresários e trabalhadores uma solução.
Ele explicou que, apesar da MP ter vigência imediata, neste caso, ela prevê uma quarentena até abril para retomada dos impostos. Para Marinho, o tempo seria suficiente para uma negociação por um consenso.
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Mesa de negociação
A ideia do governo é realizar ainda em fevereiro uma reunião com representantes de trabalhadores e empresários em busca de uma alternativa. Miguel Torres, presidente da Força Sindical, afirmou que as centrais já se comprometeram a participar da mesa de negociação. Centrais patronais ainda serão convidadas a integrar o grupo.
Torres afirmou que, ainda em 2012, a Força foi contra a desoneração por ela não obrigar que empresas beneficiadas dessem contrapartidas a trabalhadores pelo imposto reduzido. Ele ressaltou que dez anos depois, no entanto, algumas empresas tornaram-se “dependentes” da desoneração. Seu fim repentino, colocaria empregos em risco.
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Para ele, o ideal é mesmo um consenso entre empresários e trabalhadores, com fixação de compromissos, para que o impasse seja resolvido.
Sérgio Nobre, presidente da CUT, sempre defendeu o fim da desoneração por não ver benefícios nela para os trabalhadores. Depois da reunião com Marinho, ele disse que a CUT está aberta a negociar o tema.
“Quando você senta numa mesa de negociação, tudo é possível. Não podemos chegar engessados”, afirmou. “O importante é o acordo.”
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Custo de R$ 9,4 bi
A desoneração da folha de pagamento custa cerca de R$ 9,4 bilhões por ano ao governo federal, segundo o Ministério da Fazenda. De acordo com um estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), ele não gerou empregos no país.
Os efeitos da desoneração foram avaliados por Marcos Hecksher, coordenador de Produtividade, Concorrência e Tributação, da Diretoria de Estudos e Políticas Setoriais, de Inovação, Regulação e Infraestrutura (Diset/Ipea). Segundo ele, os setores beneficiados pelo desconto em impostos cortaram vagas enquanto outros criaram.
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Com isso, segundo Hecksher, esses setores reduziram sua participação na população ocupada de 20,1% para 18,9% entre 2011 e 2021. No mesmo período, os trabalhadores com carteira assinada desses setores caíram de 22,4% para 19,7% do total do país.
“É possível que a destruição de empregos nos setores beneficiados tivesse sido ainda maior caso não houvesse desoneração, mas bons estudos que simularam esse cenário contrafactual encontraram benefício muito pequeno, em número de empregos, se comparado ao custo da arrecadação perdida”, acrescentou o pesquisador.
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Os 17 setores afetados são: confecção e vestuário; calçados; construção; call center; comunicação; obras de infraestrutura; couro; fabricação de veículos; máquinas e equipamentos; proteína animal; têxtil; tecnologia da informação; tecnologia de comunicação; projeto de circuitos integrados; transporte metroferroviário; transporte rodoviário coletivo; e transporte rodoviário de cargas.
Edição: Nicolau Soares