Organizações da sociedade civil e movimentos populares têm até o próximo dia 30 de agosto para se inscrever na seleção pública de representantes da Comissão Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (CNAPO).
Criada em 2012, pela ex-presidenta Dilma Rousseff (PT), a CNAPO reunia poder público e população para a construção do Plano Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica. A Comissão foi extinta no primeiro ano do governo de extrema direita de Jair Bolsonaro (PL).
Agora, o grupo volta a existir, recriado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e vai seguir a determinação de paridade de gênero e raça anunciada no início da gestão petista.
O edital que oficializa o processo foi divulgado nesta semana e determina representação de 50% de mulheres e 20% de pessoas negras. Metade das vagas será composta por integrantes do governo e a outra metade pela sociedade civil.
Flávia Londres, secretária-executiva da Articulação Nacional da Agroecologia (ANA) e integrante do Grupo de Trabalho Técnico criado para viabilizar a recriação da CNAPO afirma que a mudança e positiva e vai garantir diversidade. Segundo ela, a Comissão também vai ser composta por novos setores criados pelo governo para a retomada de políticas sociais.
“Novos ministérios foram incorporados na composição que vai se dar a partir desse edital. Na versão anterior da CNAPO, eram 14 representações de governo e 14 organizações da sociedade civil. Na nova composição, nós teremos participação de ministérios que não existiam antes – como o Ministério dos Povos Indígenas e o Ministério da Igualdade Racial – e de outros órgãos do governo que não participavam na versão anterior, como a Fiocruz”, disse ela ao Brasil de Fato.
Durante o período em que esteve em atuação, ao longo do governo Dilma, o grupo foi um importante articulador de ações de financiamento, troca de conhecimento e fortalecimento da coletividade. Um exemplo foi o programa de apoio a redes territoriais de agroecologia, Ecoforte, em articulação com o Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico, Social e Sustentável (BNDES) e do Banco do Brasil.
Além disso, mais de 700 bancos comunitários de sementes foram criados e a CNAPO representou uma grande linha de apoio e articulação com o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e o Programa Nacional de Alimentação Escolar (Pnae).
Segundo Flávia Londres, a ideia é retomar essas políticas. O principal foco da Comissão, a partir de agora, é a criação do Plano Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (Planapo), que terá vigência de 2024 a 2027.
“É instrumento que detalha como a política vai, de fato, acontecer. Ele é todo distribuído em objetivos, eixos temáticos, metas, ações concretas e orçamento. A ideia é que esse plano vai traduzir o que é a política em ações concretas.”
A meta, segundo ela, é concluir o trabalho em um curto espaço de tempo. “O edital demorou muito para sair, temos o desafio de elaborar um Plano Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica ainda este ano, que entrará em vigor já no ano que vem. O tempo está muito curto, mas é o momento de comemorar, A CNAPO está de volta finalmente.”
Coordenada pela Secretaria-Geral da Presidência da República, a Comissão terá participação dos ministérios da Agricultura e Pecuária; Ciência, Tecnologia e Inovação; Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar; Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome; Educação; Fazenda; Igualdade Racial; Integração e do Desenvolvimento Regional; Meio Ambiente e Mudança do Clima; Mulheres; Pesca e Aquicultura; Povos Indígenas e Saúde.
O grupo também terá representações da Agência Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural (Anater); Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa); Companhia Nacional de Abastecimento (Conab); Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa); Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz); Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) e Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra).
Confira os principais pontos da entrevista com Flávia Londres a seguir.
A nova CNAPO
“Dia 15 de agosto, foi lançado, finalmente, o que estávamos esperando há bastante tempo, o edital para recomposição da CNAPO, Comissão Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica. Ela é um dos espaços de diálogo entre o Estado e a sociedade civil, que foram quase todos fechados durante o governo Bolsonaro. Era um espaço importante de incidência política e debate com a sociedade sobre políticas públicas, implementação e aprimoramentos.
Esses espaços foram fechados, então estávamos ansiosos por essa retomada. Diferentemente do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea), a CNAPO não pôde ser imediatamente recomposta quando começou o novo governo do presidente Lula, considerando a composição antiga. Sobretudo por conta de uma portaria da Secretaria Geral da Presidência da República, determinando cotas de participação nesses conselhos e comissões.
Essa portaria determina que os conselhos e comissões precisarão ter, a partir de agora, a participação de no mínimo 50% de mulheres e no mínimo 20% de pessoas autodeclaradas pretas ou pardas. A antiga composição da CNAPO não atendia a esses requisitos, por isso não pôde ser retomada imediatamente.
Vale dizer que é um avanço na nossa sociedade essa determinação do presidente Lula. É da maior importância no sentido de garantir a representatividade da população brasileira e das minorias nesses espaços de diálogo. Por conta disso, se criou um grupo de trabalho técnico para estruturar a proposta da nova composição.
Nesse contexto, outras mudanças também aconteceram. A CNAPO é uma comissão de participação paritária, metade são representantes do governo e metade da sociedade civil. Novos ministérios foram incorporados nessa nova composição que vai se dar a partir desse edital.
Na versão anterior da CNAPO eram 14 representações de governo e 14 organizações da sociedade civil. Na nova composição, nós teremos participação de ministérios que não existiam antes – como o Ministério dos Povos Indígenas e o Ministério da Igualdade Racial – e de outros órgãos do governo que não participavam na versão anterior, como a Fiocruz.
Aumentando a quantidade de representações do governo, aumenta também a quantidade, paritariamente, de representações da sociedade civil. Teremos agora uma comissão com 21 representações de governo e 21 representações da sociedade civil.
Estamos bastante animados, são mudanças importantes. É um avanço na implementação da política de agroecologia poder contar com uma CNAPO mais plural, mais diversa e ampliada. Ao passo em que estamos também preocupados com a demora. O edital demorou muito para sair, temos o desafio de elaborar um Plano Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica ainda este ano, que entrará em vigor já no ano que vem. O tempo está muito curto, mas é o momento de comemorar, A CNAPO está de volta finalmente.”
Data simbólica
“O edital foi lançado na mesma semana em que acontece, em Brasília, a Marcha das Margaridas, maior movimento de mulheres nas ruas da América Latina, que acontece a cada 4 anos.
É muito importante fazer essa conexão, porque a própria Política Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (PNAPO) – uma demanda antiga – só se tornou realidade quando, na Marcha das Margaridas de 2011, a presidenta Dilma Rousseff (PT) se comprometeu com as mulheres a criar uma política nacional.
A partir daí se organizou um processo amplo de debate na sociedade para construção dessa política. Em 2012, ela foi lançada por meio de um decreto.
Estávamos aflitos nas últimas semanas, ansiosos com a demora para o lançamento desse edital e para recomposição da CNAPO e é muito simbólico, por outro lado, ele ser lançado justamente na semana em que acontece, de novo, a Marcha das Margaridas, em Brasília.
A luta das mulheres é realmente indissociável da luta da agroecologia e o papel delas no avanço das políticas públicas no Brasil é da maior relevância e precisa ser reconhecido.”
Atribuições
“A grande missão, o sentido da existência da CNAPO é realizar o planejamento e o monitoramento da implementação da Política Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica. A primeira composição foi em 2013 e teve como primeira e grande missão elaborar o plano para a implementação da política.
Agora, novamente, com a retomada da CNAPO, a grande missão vai ser elaborar o próximo Plano Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (PLANAPO 3). É um instrumento que detalha como a política vai, de fato acontecer.
Ele é todo distribuído em objetivos, eixos temáticos, metas, ações concretas e orçamento. A ideia é que esse plano vai traduzir o que é a política em ações concretas.”
Conquistas históricas
“As principais conquistas foram, em um primeiro lugar, a integração entre políticas. A grande novidade da política nacional foi colocar no mesmo espaço, em um ambiente de interação, programas, ações, representações de governo, ministérios, secretarias, que antes não conversavam.
Antes da existência da Política Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica, existiam políticas, programas, ações de fortalecimento da agroecologia, da agricultura familiar, mas espalhadas em secretarias, ministérios e órgãos diferentes e sem articulação.
A grande novidade da política foi, por meio da CNAPO, conseguir fazer essas ações convergirem, dialogarem e potencializarem seus resultados.
Algumas ações e alguns programas novos foram criados no contexto da política. Eu citaria como os principais o programa Ecoforte, que teve apoio, enquanto funcionou, da Fundação Banco do Brasil e do BNDES.
Ele apoiava redes territoriais de agroecologia em todas as regiões do Brasil. Foi um trabalho de resultados muito surpreendentes. Um trabalho muito importante, muito potente e que vai ser retomado agora.
Outro programa que eu citaria foi o Sementes do Semiárido, que estruturou, tanto com investimentos físico, como com formação e assistência técnica mais de 700 bancos comunitários de sementes crioulas em toda a região semiárida.
São exemplos de ações importantes que temos expectativa de retomar e de fazer ampliar com a volta da CNAPO e da implementação da política.”
Gargalos
“Eu diria que a principal questão, onde pouco conseguimos avançar na CNAPO nos anos anteriores ao governo de Jair Bolsonaro (PL), foi no campo do monitoramento dos efeitos das políticas. Diria até mais, da integração das políticas nos territórios.
Tivemos um avanço muito importante no sentido de as políticas dialogarem, convergirem e terem uma orientação estratégica, articulada e convergente.
Mas acho que avançamos pouco na integração das políticas nos territórios. Lá aonde a política chega, na comunidade, no território, como é que você associa e consegue fazer conversar e potencializar políticas de terra, educação, formação, políticas para as mulheres, políticas de sementes, políticas de crédito?
Como chegar, articuladamente, no território e o monitoramento desses efeitos, eu acho que são questões que temos muito em avançar e desenvolver de forma mais aprofundada nessa nova fase.”
Edição: Rodrigo Durão Coelho