Os países da Opep+ (grupo de 23 nações produtoras e exportadoras de petróleo) anunciaram a decisão de cortar a produção de petróleo de maio até o final de 2023 para garantir a estabilidade do mercado. A medida, todavia, foi encarada como um golpe aos interesses dos EUA e do Ocidente nos seus esforços de prejudicar a economia russa, já que o petróleo é o principal ativo de exportação do país. A decisão revela uma transformação no status quo das relações internacionais.
O efeito imediato do anúncio dos países exportadores de petróleo, liderados pela Arábia Saudita, foi um aumento significativo no preço do petróleo. Nos dias que se seguiram à decisão da Opep+, o preço do petróleo do tipo Brent subiu 6,7%, chegando a uma média US$ 85 por barril durante a semana passada. Na última terça-feira (11), a projeção do Departamento de Energia dos EUA para o preço do barril do petróleo Brent este ano passou de US$ 83 para US$ 85.
A decisão da Opep+ foi acompanhada pela Rússia, que em fevereiro também havia anunciado diminuir a produção em 500 mil barris a partir de março. Na ocasião, o vice-primeiro-ministro russo, Alexander Novak, afirmou que o corte contribuiria para o restabelecimento das relações de mercado no contexto das sanções aplicadas contra Moscou.
Em entrevista ao Brasil de Fato, o analista-chefe do Fundo Nacional de Segurança Energética da Rússia, Igor Ushkov, observa que o corte da Opep+ foi positivo para a Rússia, em particular porque a diminuição unilateral de Moscou não havia surtido efeito no mercado mundial.
“Vimos que no início de março o corte não aconteceu e só começou no final do mês. Então a Rússia de qualquer jeito iria diminui o volume da produção, mas os efeitos para o mercado mundial não seriam muito significativos e, nesse sentido, é claro que é melhor diminuir o volume da produção com o apoio da Opep+. Assim, junto com a Rússia, deve ser diminuída a produção de um volume de 1,66 milhões de barris por dia. E isso é expressivo para todo o mundo e deve manter o preço do petróleo em um nível alto”, argumenta.
O corte de produção pela Rússia foi uma reação à decisão tomada em dezembro de 2022 pelos países do G7, além da União Europeia e da Austrália, de estabelecer um teto de US$ 60 pelo barril de petróleo russo como sanção pela guerra da Ucrânia. Como efeito, Moscou buscou reorientar e impulsionar as exportações para países como China e Índia, oferecendo descontos pelo produto a países considerados “não hostis”.
De acordo com o Igor Ushkov, mesmo considerando os descontos que a Rússia oferece aos compradores de seu petróleo, o preço para os produtos russos aumentará, seguindo o aumento no preço do petróleo no nível mundial.
Ao mesmo tempo, o analista aponta que a decisão da Opep+ não deixa de ser uma resposta à ação dos EUA e da Europa, que através dos seus bancos centrais, aumentaram a oferta do petróleo uma semana antes do anúncio do corte da Opep+. Segundo ele, quando sobe a oferta, é diminuída a atividade econômica, o crédito torna-se alto e, logo, há menos circulação de mercadorias. Consequentemente, há menos demanda por combustíveis.
Oriente médio sob nova ordem?
Mas além da busca do cálculo meramente econômico, na busca pelo equilíbrio nos preços das commodities, a decisão da Opep+ representa um sinal de reorganização do equilíbrio de forças no Oriente Médio.
Em julho de 2022, o presidente dos EUA, Joe Biden, fez uma viagem à Arábia Saudita para pleitear um aumento na produção de petróleo – medida que tenderia a abaixar o preço dos combustíveis e controlar a inflação. No entanto, os esforços foram em vão e os sauditas, que são os maiores exportadores de petróleo do mundo, não fecharam acordo com Washington.
Desta vez, o maior exportador de petróleo do mundo parece ter reorientado suas prioridades e levado mais em conta o potencial da parceria com a China, que, por sua vez, tem ganhado mais influência política na região.
Isso ficou claro em meados de março, quando a China atuou como mediadora do restabelecimento das relações entre Irã e Arábia Saudita, após sete anos de rompimento. Os tradicionais rivais no Oriente Médio se reuniram em Pequim e prometeram trabalhar juntos para trazer “segurança e estabilidade” à região. O sucesso dos chineses em unir Irã e a Arábia Saudita foi encarado como um sinal de desafio à capacidade dos EUA de dar as cartas como principal intermediário externo no Oriente Médio.
“A China trabalhará com os países do Oriente Médio para implementar iniciativas de segurança global, iniciativas de desenvolvimento global e iniciativas de civilização global para promover segurança, estabilidade, desenvolvimento, prosperidade, tolerância e harmonia no Oriente Médio”, declarou Mao Ning, porta-voz do Ministério das Relações Exteriores da China.
No plano econômico, a Arábia Saudita também fortaleceu significativamente as exportações de petróleo para a China. Recentemente, os sauditas adquiriram uma participação de 10% na petrolífera chinesa Rongsheng. O acordo de US$ 3,6 bilhões prevê um fornecimento de 480 mil barris por dia da empresa saudita Aramco à petroquímica chinesa. Hoje a China é o maior comprador de petróleo do país árabe.
Em parte, a diversificação de parceiros da Arábia Saudita vem sendo construída por um pragmatismo econômico na medida em que os EUA, a partir da “revolução do xisto”, aumentarão drasticamente a sua produção de petróleo e, assim, podem diminuir a sua dependência de importação de petróleo.
No entanto, o analista Igor Ushkov destaca que o corte na importação de petróleo por parte dos EUA foi seletivo, pois o país manteve – ou aumentou – os índices de compra de parceiros como México e Canadá, e “deliberadamente cortou a importação de países árabes da Opep”.
“Desses países eles [EUA] diminuíram a importação, e ao mesmo tempo diminuíram a dependência política, para não lidar com os seus interesses e realizar uma política mais independente no Oriente Médio”, acrescenta.
Dessa forma, foi natural que a Arábia Saudita também reorientasse os seus interesses políticos e se voltasse para o mercado asiático. “Nesse sentido, agora a Arábia Saudita não considera os interesses dos EUA quando adota sua política de estabilização dos mercados de petróleo, dando mais importância à China”, aponta Ushkov.
Paralelamente, no início de abril a Arábia Saudita ingressou na Organização de Cooperação de Xangai (SCO, na sigla em inglês), com o status de país-parceiro. Trata-se de um órgão político, econômico e militar da Eurásia, que inclui Rússia, China e Índia, além de países da ex-URSS como Cazaquistão, Quirguistão, Paquistão, Tajiquistão e Uzbequistão.
A aproximação da Arábia Saudita à esfera de influência sino-russa foi mais um golpe no interesse norte-americano de manter seu domínio no Oriente Médio. Na ocasião, um editorial da revista estadunidense Newsweek classificou a decisão da Arábia Saudita de se tornar parceira da SCO como “uma das várias iniciativas diplomáticas no Oriente Médio que aproximam os países da região da China e da Rússia”. De acordo com a publicação, “juntar-se à SCO faz parte da estratégia da Riad de restaurar o equilíbrio no sistema de relações do reino com Estados estrangeiros” e coloca Washington de escanteio.
Desta forma, tendo como pano de fundo a busca por equilíbrio nos preços do petróleo, a tríade formada por Pequim, Riad e Moscou contribui para redistribuir as tradicionais esferas de influência no Oriente Médio. No entanto, em meio ao acirramento e prolongamento da guerra da Ucrânia, ainda é uma incógnita até onde vai o alinhamento e pragmatismo da China e da Arábia Saudita em relação à Rússia.
O analista Igor Ushkov destaca que os interesses dos países Opep+ não são de ajudar a economia russa especificamente. O que acontece é uma “convergência de interesses”.
“Isso é resultado de transformações políticas na arena internacional, mas é importante entender que os países da Opep+ não perseguem os objetivos de ajudar economicamente a Rússia, a questão é que nossos interesses agora estão alinhados. Nesse sentido, a decisão da Opep+ nos permite ter mais lucro e reforçar nossa economia, mas isso não é decidido em favor da Rússia. Aqui há apenas uma convergência de interesses”, completa.
Edição: Thales Schmidt