O general André Luiz Silveira, conhecido por ter defendido a fabricação de cloroquina pelo Laboratório Químico Farmacêutico do Exército (LQFEx) durante a pandemia de covid-19, ganhou um cargo no Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro (TCE-RJ). Em setembro de 2021, Silveira assumiu o posto de diretor-geral de Segurança Institucional, com rendimentos mensais que superam R$ 40 mil – o que, somado com a aposentadoria que recebe das Forças Armadas, configura o que se chama de “supersalário”, acima do teto constitucional.
Oficialmente, o salário do general no TCE-RJ é de R$ 19.746,88, mas ele recebe mensalmente outros R$ 22.890,58 enquadrados na categoria “outras verbas remuneratórias”. Além disso, Silveira acumula indenizações e gratificações que podem fazer o valor total de seu rendimento mensal bruto chegar a R$ 44.049.70, quantia a que ele teve direito em fevereiro de 2023. Na reserva do Exército desde julho de 2021, o general ainda recebe mensalmente o valor bruto de R$ 35.036,24, pago pelo Executivo Federal.
Uma portaria do Ministério da Economia de Jair Bolsonaro (PL) publicada em maio de 2021 autorizou militares da reserva, como Silveira, a receber salários acima do chamado teto constitucional. Antes, os valores de aposentadoria e o salário do cargo comissionado ou eletivo eram somados, e o que ultrapassasse o teto de R$ 39,2 mil era cortado.
O envolvimento do general na fabricação e distribuição da cloroquina, medicamento sem eficácia para combater a Covid-19, foi comprovado por meio de documento enviado ao Tribunal de Contas da União (TCU) pelo Exército, assinado por Silveira, então comandante da 1ª Região Militar, obtido por meio da Lei de Acesso à Informação (LAI) pela agência Fiquem Sabendo, em 2021.
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“Esperança a milhões de corações aflitos”
No ofício enviado ao TCU, o militar admitiu a escalada da produção e das compras de cloroquina pelo Exército e desprezou a falta de comprovação científica dos benefícios do uso da substância. Silveira defendeu o medicamento como uma forma de levar “esperança a milhões de corações aflitos”.
“Não poderia ser exigível comportamento diverso do Laboratório Químico Farmacêutico do Exército, senão a busca dos insumos necessários e o pronto atendimento às prementes necessidades de produção da cloroquina que, por seu baixíssimo custo, seria o equivalente a produzir esperança a milhões de corações aflitos com o avanço e os impactos da doença”, escreveu Silveira ao TCU.
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Apenas em março e abril de 2020, o Exército produziu 1,25 milhão de comprimidos de cloroquina, um aumento de 84 vezes em relação ao período imediatamente anterior. Além disso, o Exército comprou a substância por um valor 167% mais alto do que a própria empresa havia cobrado dois meses antes.
Em junho de 2022, o Centro de Comunicação Social do Exército (CCOMSEx) confirmou que 83 mil comprimidos de cloroquina em estoque e que foram fabricados pelo LQFEx, no Rio de Janeiro, não poderiam mais ser utilizados, pois haviam vencido em junho. Em nota, o Exército explica que o LQFEx é um órgão executor e que, por isso, não trata sobre a eficácia do medicamento e também a respeito da ampliação ou redução de sua produção – que, nesse caso, foi demandada pelos Ministérios da Saúde e da Defesa.
Quem indicou?
A nomeação de Silveira para o TCE-RJ gerou indignação entre membros do tribunal, de acordo com uma fonte ouvida de forma anônima pela reportagemd do Brasil de Fato. Segundo os servidores, a escolha para o cargo deveria ser baseada em habilidades profissionais, e não em conexões políticas ou militares, como teria ocorrido no caso de Silveira.
O TCE-RJ é responsável pela fiscalização das contas do Estado e é composto por sete conselheiros. Destes, três são escolhidos pelo governador, com a aprovação do Poder Legislativo, e os outros quatro são escolhidos pela Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj).
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O cargo comissionado de Silveira é ligado a Secretaria-Geral da Presidência do TCE-RJ. Portanto, a indicação é responsabilidade de Rodrigo Melo do Nacimento, presidente da Corte, e da secretária-geral Mariana Heiss. Os dois são técnicos que chegaram ao TCE-RJ por meio de concurso público.
O Brasil de Fato questionou o TCE-RJ sobre como foi feita a seleção de Silveira para este cargo específico, bem como se a Corte considerou os potenciais impactos políticos da nomeação. A reportagem questionou diretamente se a escolha foi feita considerando a polêmica em torno da fabricação de cloroquina pelo Laboratório Químico do Exército Brasileiro. Leia a resposta: “Por ocasião de sua contratação, o servidor André Luiz Silveira teve seu currículo apreciado e passou por entrevista e procedimentos que permitiram verificar a sua qualificação para o cargo que exerce no Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro. O desempenho do servidor à frente da Diretoria-Geral de Segurança Institucional vem comprovando a sua capacidade para a função e evidencia o acerto da sua contratação.”
Edição: Nicolau Soares