Cerca de R$ 1,1 bilhão em bens e maquinários foram apreendidos ou destruídos nas sete maiores operações contra o garimpo ilegal deflagradas em 2023, segundo cálculos do Ibama obtidos com exclusividade pela Repórter Brasil.
Desse total, mais de R$ 1 bilhão corresponde a equipamentos apreendidos, enquanto R$ 82 milhões se referem a peças efetivamente destruídas. A lista é vasta e inclui tratores, escavadeiras, balsas, dragas, aviões e helicópteros, além de motores, barcos, motos, caminhonetes e material de acampamento.
Segundo o diretor de Proteção Ambiental do Ibama, Jair Schmitt, o valor e a quantidade dos aparelhos encontrados contradizem a ideia de que o garimpo seria uma técnica artesanal de exploração mineral.
“Há frotas de equipamentos de transporte aéreo ou fluvial, motores hidráulicos, geradores de energia e toda uma infraestrutura associada que forma o contexto de planta industrial ou produtiva de valor considerável”, explica Schmitt.
“Quem botou esse R$ 1 bilhão lá?”, provoca o coordenador de pesquisas em mineração do MapBiomas, Pedro Walfir. Segundo ele, o investimento não é feito pelos garimpeiros em campo, mas sim por empresários que aportam recursos nessas estruturas.
“Quem tem milhões para investir em uma atividade como essa, que é rentável mesmo sendo descoberta, destruída e queimada, e que no ano seguinte está de volta funcionando?”, acrescenta.
A destruição de equipamentos utilizados em crimes ambientais é uma prerrogativa legal do Ibama. Os agentes do órgão podem recorrer a essa alternativa quando a remoção do maquinário não é possível ou quando o transporte pode gerar riscos aos fiscais ou à população.
Contudo, essa medida foi desestimulada durante o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), principalmente pelo ex-ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles – cuja gestão ficou marcada por tentativas de afrouxar regras ambientais para “passar a boiada”, conforme ele mesmo afirmou em reunião ministerial em 2020.
A destruição de equipamentos também vem sendo questionada por leis estaduais, como em Roraima e Rondônia. Porém, os textos têm sido anulados quando analisados pelo Supremo Tribunal Federal (STF).
Helicóptero de R$ 10 milhões
As sete principais operações antigarimpo deste ano – Cayaripellos, Xapiri, Harpia, Ferro e Fogo III, Joker III, Acupary e Inopinus Flora – atuaram no rio Madeira, na bacia do rio Tapajós e nas Terras Indígenas (TIs) Vale do Javari e Yanomami. Esta última, palco de um dos piores desastres sanitários e socioambientais da história recente do país.
Juntas, essas fiscalizações apreenderam ou destruíram 262 balsas e dragas, que revolvem o leito dos rios para filtrá-lo na busca por minério. Cada máquina custa, em média, R$ 2,8 milhões, segundo o relatório “Abrindo o livro caixa do garimpo”, lançado em junho pelo Instituto Escolhas. Nos últimos anos, a organização vem realizando diversos estudos sobre a cadeia de produção mineral.
Também foram apreendidos ou destruídos 29 aviões e 2 helicópteros. Ao menos 20 aeronaves eram do modelo Cessna 182 Skylane, cujo preço médio gira em torno de R$ 1 milhão. Já entre os helicópteros havia um Sikorsky S-76, modelo utilizado por Donald Trump e vendido em média por R$ 10 milhões.
A lista de bens apreendidos ou destruídos pelo Ibama inclui ainda 105 retroescavadeiras ou tratores de esteira, um equipamento central na expansão do garimpo em terra firme na última década. Essa máquina pode custar mais de R$ 1 milhão quando nova, segundo Suely Araújo, especialista em políticas públicas do Observatório do Clima e ex-presidenta do Ibama.
“O alto investimento não é da população local, que trabalha nos garimpos, mas vive em uma região muito pobre, com o mais baixo IDH do país e dependente de apoio governamental”, reforça Araújo.
Nas operações, também chamou atenção dos fiscais a quantidade de aparelhos de comunicação via satélite apreendida – especificamente o Starlink, fabricado por empresa do bilionário Elon Musk e usado em larga escala na Amazônia.
“Apreendemos mais de 30 antenas que fazem com que os garimpeiros tenham uma comunicação melhor do que os fiscais em campo”, diz Schmitt.
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Triplica destruição de equipamentos
O levantamento do Ibama indica uma retomada das fiscalizações ambientais na Amazônia neste ano e um aumento do número de equipamentos destruídos, após recuo ao longo do governo Bolsonaro.
Considerando todas as operações do órgão federal – incluindo as realizadas contra garimpo ilegal, pesca ilegal, exploração ilegal de madeira, entre outras –, o órgão assinou 422 termos de destruição de janeiro a agosto deste ano. Isso é quase o triplo do ocorrido nos quatro anos anteriores, quando a média foi de 148 nos oito primeiros meses do ano. Cada termo pode incluir uma ou mais máquinas afetadas.
Schmitt, do Ibama, defende a legitimidade do órgão em destruir os equipamentos e diz que é uma forma de descapitalizar os suspeitos rapidamente. “Quando um infrator é confrontado com a perda imediata de seus bens, isso tem um efeito muito mais poderoso no seu comportamento do que a ameaça de uma multa futura”, compara.
Com relação às apreensões, foram lavrados 1.660 termos de janeiro a agosto deste ano. Durante o governo Bolsonaro, a média foi de 894 nos oito primeiros meses de cada ano.
Do artesanal ao industrial
Historicamente, a prática de garimpo é vista no país como uma atividade individual e de pequena escala. Por essa razão, houve um afrouxamento da legislação para facilitar a extração de minério por meio desse sistema, segundo o recente estudo do Instituto Escolhas.
Uma das medidas mais criticadas foi a implementação da “presunção de boa fé”, aprovada por lei em 2013. Derrubada pelo STF em abril deste ano, a medida era vista como um estímulo ao mercado ilegal. Agora, quem compra ouro ilegal não poderá alegar desconhecimento sobre a origem do minério e passará a ser responsabilizado judicialmente, mesmo alegando “boa fé” na transação.
“Toda essa construção de garantias legais e facilidades permitiu que as atividades garimpeiras se estruturassem e capitalizassem”, diz o relatório do Escolhas.
O documento estima investimentos vultosos para explorar uma lavra. Para iniciar as operações de uma balsa de garimpo, por exemplo, o desembolso médio em máquinas, equipamentos e infraestrutura é de R$ 3,3 milhões.
As balsas nos rios da Amazônia podem gerar uma receita mensal estimada de R$ 1,1 milhão, segundo o estudo, com lucro de R$ 632 mil por mês. Ou seja, em seis meses, é possível recuperar o investimento inicial – considerando balsas grandes, com 18 garimpeiros e produção média de 3,75 kg de ouro por mês.
Já para a abertura de um garimpo de ouro em terra firme – o mais comum na bacia do Tapajós –, o investimento é de R$ 1,3 milhão, com uma estimativa de receita mensal de R$ 930 mil. Com escavadeira própria, o lucro por mês chega a R$ 343 mil por equipamento, considerando uma operação com 18 garimpeiros e produção mensal de 3 kg de ouro.
Graças às escavadeiras, popularizadas na última década, áreas antes garimpadas em um mês passaram a ser abertas em apenas uma semana, segundo o relatório do Escolhas.
A partir daí, a expansão dos garimpos foi rápida. Entre 2012 e 2022, a área total dos garimpos mais que dobrou, passando de 107 mil hectares para 263 mil ha, segundo estudo publicado este mês pelo MapBiomas. Desde 2020, a área de garimpos é maior que a da mineração industrial no país. Esta última é executada por grandes empresas e tem uma legislação mais rígida.
O avanço dos garimpos foi mais intenso sobre territórios indígenas e unidades de conservação. De 2018 a 2022, a área de garimpo ilegal nas TIs cresceu 265%, enquanto a área garimpada em áreas protegidas foi 190% maior.
A expansão do garimpo ilegal e o enfraquecimento da fiscalização nos últimos anos coincidiu com a maior presença do narcotráfico na Amazônia, afirma Roberto Magno, pesquisador do Laboratório de Geografia, Violência e Crime da Universidade Estadual do Pará (UEPA). Ao compartilhar aeronaves, pilotos e pistas de pouso, o tráfico de drogas e a exploração ilegal de ouro deram impulso aos chamados “narcogarimpos”, tema de investigação da Repórter Brasil.
“Nos últimos quatro anos houve um descontrole total dos órgãos de fiscalização na região”, avalia o pesquisador. “Nessa história de passar a boiada pela Amazônia, não passou só boiada, mas passou o PCC (Primeiro Comando da Capital, facção criminosa paulista), passou cocaína, passou skunk colombiano”, completa.
Apesar da retomada das ações contra o garimpo ilegal, a reestruturação do Estado na Amazônia será um processo lento, avalia o pesquisador Magno, da UEPA, pois os recursos de fiscalização são limitados frente a uma indústria bilionária.