Horas depois de ser indicado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para o Supremo Tribunal Federal (STF), o ministro da Justiça, Flávio Dino (PSB), já contava com o apoio declarado de 1/3 da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado, onde será sabatinado no dia 13 de dezembro. A indicação de Lula precisa do aval dos senadores e a oposição na Casa iniciou uma campanha pela rejeição. Aliado de longa data do petista, Dino acumulou ao longo dos 11 meses na chefia da Justiça embates com congressistas críticos ao governo.
Após a votação na CCJ, a indicação será analisada pelo plenário do Senado. A aprovação depende da maioria absoluta: ou seja, pelo menos 41 dos 81 votos. Tanto no plenário como na CCJ, o voto é secreto. Na comissão, conforme levantamento do Estadão – com 27 membros titulares da CCJ do Senado -, nove senadores declararam abertamente que irão votar a favor de Dino. Três parlamentares, todos eles aliados do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), se posicionaram contra o nome escolhido por Lula – e outros três, apesar de não anteciparem seus votos, publicaram críticas à indicação nas redes sociais.
É necessária a maioria simples para a aprovação. Isso significa que, se todos (ou seus suplentes) comparecerem, são precisos 14 votos para o colegiado aprovar a escolha do presidente. Cinco senadores consultados pela reportagem afirmaram que ainda não têm uma decisão tomada e, portanto, gostariam de ouvir o que o indicado pensa no processo de sabatina. É o caso, por exemplo, do senador Sérgio Moro (União-PR), que acumula um histórico de críticas ao ministro da Justiça. Três optaram por não responder, e o restante não atendeu às solicitações.
Herança
Caso seu nome seja aprovado pelo Senado, Dino herdará a relatoria de 344 ações que estavam no gabinete da agora ministra aposentada Rosa Weber. Entre os processos, estão diversos casos de grande repercussão e envolvendo figuras políticas com quem conviveu, como por exemplo o inquérito que mira o grupo ligado a seu ex-colega de Esplanada, o ministro das Comunicações, Juscelino Filho (União Brasil-MA).
Também ficarão sob sua relatoria o indulto de Natal concedido por Jair Bolsonaro (PL) no ano passado, uma ação da CPI da Covid-19 contra o ex-presidente e a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 1087, em que o PL pede que a punição para abortos provocados por terceiros seja equiparada à do crime de homicídio qualificado.
No caso do inquérito contra Juscelino Filho, trata-se da investigação relacionada à Operação Benesse, após reportagens do Estadão. A Polícia Federal investiga suspeitas de fraudes em licitações, desvio de recursos públicos e lavagem de dinheiro com verbas da Codevasf. Em setembro, foram cumpridos 12 mandados de busca e apreensão nas cidades de São Luís, Vitorino Freire e Bacabal, no Maranhão. Um dos alvos é Luanna Rezende, prefeita de Vitorino Freire e irmã de Juscelino. Ela foi afastada do cargo.
Flávio Dino é a décima indicação ao Supremo feita por Lula ao longo de todos seus mandatos, sendo a segunda neste governo. Em junho, o presidente indicou o advogado Cristiano Zanin para a Corte. Naquela ocasião, Zanin foi aprovado na CCJ, com 21 votos favoráveis e 5 contrários, e no plenário, com 58 votos a favor e 18 contra. O senador Otto Alencar (PSD-BA) avalia que o resultado da votação para a indicação de Dino será semelhante ao de Zanin.
Entre os que não quiseram declarar voto, o senador Márcio Bittar (União-AC) admitiu contrariedade sobre a escolha de Dino por Lula. “Da minha parte, procuro não antecipar meu voto, pois isso seria a negação do debate. Acho que o parlamentar deve estar aberto aos argumentos. Mas o que posso lhe dizer é que eu acho que é uma indicação ruim. Dino foi defensor de uma narrativa sobre o 8 de Janeiro e se comportou no Ministério com uma parcialidade total sobre o caso”, disse o parlamentar.
Os senadores Flávio Bolsonaro (PL-RJ) e Marcos Rogério (PL-RO) não responderam à reportagem e, por isso, constam entre os que não retornaram contato. Ambos, contudo, indicaram em suas redes sociais descontentamento com a indicação do atual ministro da Justiça.
“É um descaramento e um absurdo indicar Flávio Dino para o STF. A Suprema Corte precisa de gente qualificada e técnica, não de um político profissional que vai usar todos os seus poderes para proteger os esquemas do PT e os amigos, além de fazer avançar as pautas da esquerda como aborto e legalização de drogas”, escreveu o filho 01 de Jair Bolsonaro.
“A indicação de Flávio Dino ao STF é a confirmação de que Lula não busca pacificação, ele quer confronto. Tá na hora do Senado Federal mostrar que não é apenas um carimbador de indicações”, afirmou Marcos Rogério.
Relator
A indicação de Dino será relatada pelo senador Weverton Rocha (PDT-MA), seu conterrâneo. Weverton foi aliado de Dino, rompeu com o ministro nas eleições de 2022, mas já se encontrou com ele neste ano em visita do titular da Justiça ao Maranhão.
Desde o início da gestão petista, Dino protagonizou embates com parlamentares no Congresso Nacional. Ao todo, ele compareceu em quatro audiências, sendo três na Câmara e uma no Senado. Todos esses encontros foram marcados por bate-bocas com opositores.
Em outras ocasiões, o ministro da Justiça faltou às convocações, o que gerou críticas por parte dos congressistas, que o acusaram de crime de responsabilidade.
A postura de enfrentamento de Dino fez com que ele impulsionasse a sua influência nas redes sociais. Nos oito primeiros meses à frente da Justiça, o número de seguidores do seu perfil no X (antigo Twitter) cresceu em 43%, mais do que qualquer outro ministro de Lula, conforme mostrou o Estadão. Ao mesmo tempo, aliados o criticavam pela falta de projetos robustos na área de segurança pública.
‘Corte política’
Reflexo da postura atuante nas redes, a indicação de Dino para integrar o Supremo escancarou um sentimento já bastante difundido pelos internautas, de que o STF é uma Corte eminentemente política.
As opiniões sobre a escolha do presidente se dividem, ancoradas na polarização do País, com a nítida ideia de que Flávio Dino atuará para concretizar na Corte princípios da esquerda, e também abarcará em suas decisões os desejos de Lula.
Esquerda e direita concordam nesse quesito. O ponto de discordância é que opositores criticam essa eventual inclinação, enquanto esquerdistas elogiam. Não há expectativas nas redes de que Dino atuará de forma técnica, fundamentado apenas nas leis e deixando seus ideais de lado. A ideia de um STF politicamente imparcial inexiste nas redes.
Os próprios lulistas exaltam, em suas interações, a característica de um ministro do Supremo profundamente entranhado na política partidária. Eles veem Dino como um nome com visão esquerdista e esperam que essa visão seja usada em suas decisões como magistrado.