A primeira parte de audiência na Comissão de Fiscalização Financeira e Controle (CFFC) da Câmara, nesta quarta-feira (3), ficou marcada pelo embate entre o deputado Deltan Dallagnol (Podemos-PR) e o ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino. Falando rápido, o parlamentar e ex-procurador emendou 12 perguntas em três minutos, algumas fora dos temas que motivaram a reunião. Dino respondeu todas, a começar da questão sobre o combate à corrupção.
“O que mudou foi o espetáculo. Nós pusemos fim ao espetáculo, e à corrupção no combate à corrupção”, afirmou o ministro ao deputado, que atuava como procurador-chefe ao lado do então juiz Sergio Moro na Operação Lava Jato. “Agora, as operações continuam a acontecer. O que nós não queremos e não faremos é violar as garantias legais e constitucionais. O combate à corrupção continua a ser prioridade, obviamente. Nós não fazemos disso bandeira de politicagem” acrescentou Dino, pregando respeito ao “devido processo legal”.
“Acordo” no Complexo da Maré
Apesar da animosidade, a sessão prosseguiu sem ataques. Didático e às vezes irônico nas respostas, o ministro só demonstrou alguma irritação no momento em que Dallagnol insistiu na sugestão de um “acordo” entre governo e crime organizado para visita de Dino ao Complexo da Maré, no Rio de Janeiro, em 13 de março.
Para o ministro, é “leviandade” falar em acordo com facção. “O senhor sabe, ou deve saber, ou deveria saber, deve lembrar, que não existe prova de fato negativo. O senhor deve ter aprendido em algum lugar no curso de Direito que é impossível a mim provar que não houve acordo. É ônus do senhor e de todos que propagam esse leviandade provar que fiz acordo com bandido”, afirmou Dino a Dallagnol. “Nunca fiz, nunca farei, a minha vida é limpa e eu não tenho nenhuma condenação.” Ele lembrou que o governo avisou, antes da visita, as polícias Civil, Militar, Federal e Rodoviária Federal. “A polícia estava amplamente presente”, ressaltou. Acrescentou que seria “esdrúxulo” fotografar os policiais.
Ele também criticou o que entendeu como tentativa de sugerir que toda a comunidade está vinculada ao crime organizado. “Não fiz acordo. E obviamente não concordo com a estigmatização dos mais pobres, como se as 100 mil pessoas que moram na Maré fossem criminosas. Ali há 99,9% de pessoas honestas, que se dedicam ao seu trabalho.”
Os “patriotas” e os sem-terra
Outro tema citado por Dallagol foram os acampamentos “patriotas” instalados em vários locais e áreas militares. Além de questionar se houve “prevaricação” – o governo não teria agido como deveria –, o parlamentar tentou estabelecer uma relação com as ocupações do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST).
Ao citar artigos do Código Penal, o ministro da Justiça sustentou que havia nos acampamentos bolsonaristas “um acervo imenso de crimes, e as pessoas estavam em flagrante”. Dino lembrou que esses acampamentos foram montados em 30 de outubro, após as eleições, sob outro governo, que deveria ser responsabilizado. Sobre o MST, afirmou que não é possível estigmatizar um movimento social fazendo acusação genérica. “A situação inconstitucional é existirem pessoas sem-terra.”
Prisão em segunda instância
Dino também foi questionado sobre a prisão em segunda instância, defendida pelo ex-procurador, falou em presunção de inocência e lembrou que se trata de uma questão constitucional, já que Carta fala em condenação apenas após o trânsito em julgado. “Se o senhor discorda da Constituição, é claro que o senhor pode fazer uma proposta de emenda à Constituição”, afirmou Dino, acrescentando que um ministro da Justiça não pode “passar pela Constituição e revogar uma decisão do Supremo Tribunal Federal”.
O Projeto de Lei 2630, das fake news, foi mais um tema destacado por Dallagnol. O ministro disse que se trata de uma exigência constitucional. “É imprescindível que haja uma lei sobre comunicação digital, cibernética, e nós não podemos ter faroeste digital no Brasil. Faroeste digital mata, fake news mata. E quem defende a regulação é na verdade quem defende a liberdade de expressão. O que nós vimos, infelizmente, foram empresas, plataformas querendo fazendo censura contra o parlamento. Censurar o processo legislativo, numa violência raras vezes vista no Brasil.”
A participação de Flávio Dino na audiência da comissão durou quase três horas e meia. É a quarta vez que o ministro da Justiça atende a um convite do Parlamento para prestar esclarecimentos sobre ações de sua pasta. E a primeira em que a audiência não terminou em tumulto provocado por repetidas provocações de parlamentares bolsonaristas.
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