A confirmação, nesta sexta (30), da inelegibilidade de Jair Bolsonaro (PL) encerra um capítulo da política brasileira, mas dá brecha para novos desdobramentos. O bolsonarismo seguirá vivo, e o espaço deixado pelo ex-presidente estará em disputa.
Analistas ouvidos pelo Brasil de Fato entendem que este primeiro momento será de ajustes e início de reconfiguração. A cientista social Rosemary Segurado, professora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), disse que foi aberta a temporada de “apostas” para saber quem vai ocupar esse lugar.
“Já tem vários cenários sendo colocados, e me parece que o momento agora é esse dessa reconfiguração. Acho interessante a gente pensar quem pode ser capaz de catalisar essa força, que ainda é muito grande, do bolsonarismo. As apostas estão colocadas, existem vários nomes na mesa e agora vai começar uma disputa, obviamente entre esses nomes, para que isso ocorra”, pontuou.
Em entrevista ao Central do Brasil, programa do Brasil de Fato em parceria com a rede TVT, Segurado destacou que Bolsonaro, mesmo enfraquecido pelas sucessivas derrotas desde as eleições presidenciais de 2022, ainda tem muita força, e a atuação dele deve ter papel importante.
“O que nós temos que pensar: a inelegibilidade do Bolsonaro não é o fim do bolsonarismo. Esse momento agora é fundamental para que inclusive, dependendo da postura do próprio Bolsonaro: se ele vai conseguir pegar para si essa articulação ou vai deixar Valdemar da Costa Netto [presidente do PL] atuar livremente nesse processo”, afirmou.
Abandonado?
O economista João Pedro Stedile, integrante da direção do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), disse que os setores que ajudaram a eleger Bolsonaro, principalmente o mercado financeiro, não vão se movimentar em favor do ex-presidente.
“A burguesia usou o Bolsonaro como marionete. Foi a burguesia que o colocou de presidente, para ele fazer o trabalho sujo durante a crise do capitalismo. Agora, a burguesia já o abandonou”, disse, em entrevista ao podcast Três Por Quatro, do Brasil de Fato.
Ainda não ficou claro, segundo Stedile, se a inelegibilidade será suficiente nesse processo. Ele acredita que, ao menos neste primeiro momento, não deverá haver movimentos consistentes dos donos do dinheiro pela prisão do ex-presidente.
“O que pode ainda ter algum tipo de acordo com a burguesia para ela orientar o Poder Judiciário se vão prendê-lo ou não. Por ora, o acordo é que basta ele perder os direitos políticos, e então ele vai parar de ‘latir’, e a burguesia vai usar outros. Isso é o que percebo”, apontou Stedile.
Ele aponta que esses setores “viraram a página”, e já trabalham para encontrar uma figura que atenda seus interesses e, ao mesmo tempo, dê “aparência democrática” ao processo. Nesse contexto, ele aposta no atual governador de São Paulo, Tarcísio Gomes de Freitas (Republicanos), descartando a possibilidade de ascensão da ex-primeira dama Michelle Bolsonaro.
“Acho difícil eles tentarem construir o nome da Michelle [Bolsonaro], porque ela também é uma arrivista da política e tem muito telhado pela frente. Eu acho que a burguesia e seus partidos de direita vão procurar outras alternativas mais viáveis do ponto de vista político”, avaliou.
Bolsonarismo perdido
O próprio bolsonarismo pode não ter certeza sobre esse caminho, segundo a cientista política e professora universitária Mayra Goulart. Ela afirma que a derrota eleitoral de 2022 gerou “bateção de cabeça” dentro do núcleo do ex-presidente, especialmente por abrir caminho para andamento dos processos contra ele – como este, que culminou com a inelegibilidade.
“O projeto do Bolsonaro não contemplava essa derrota eleitoral. Ele governou de maneira bem próxima a uma conformação autoritária, o que maximiza as chances, que já são grandes, de alguém que tem mandato conseguir se reeleger”, destacou a professora da UFRJ.
Para Goulart, mesmo tendo sido parlamentar por quase 30 anos e presidente por outros quatro, Bolsonaro não se tornou um líder político efetivo. Isso faz com que, desde que deixou o poder, ele tenha dificuldade de desempenhar papel de líder da oposição ou partidário – o que tende a piorar com a inelegibilidade.
“Ele não tem treinamento para isso. Para ele interessa um tipo de exercício do poder que não é propriamente ‘político’ no sentido de construção de projetos, mas sim uma prática de se locupletar com os benefícios do poder, os benefícios da máquina pública”.
A professora aponta, ainda, que a derrota eleitoral deixou o bolsonarismo com dificuldade para fazer uma correção de rumos. O núcleo familiar do ex-presidente, por exemplo, parece não se entender.
“Diante da derrota inesperada, há esse conflito entre os diferentes grupos dentro da família: o grupo da [ex-primeira-dama] Michelle, o grupo do próprio Jair, seus filhos… Está havendo uma desarticulação”, analisou.
Edição: Thalita Pires