As centrais sindicais estão discutindo no país uma proposta de reforma sindical que deverá ser apresentada adiante ao governo Lula. A medida está em fase de tratativas internas entre as organizações, que, neste sábado (4), devem fechar uma espécie de minuta, ainda em nível de circulação e debate político restrito à direção das entidades. Segundo o coordenador do Fórum das Centrais Sindicais, Clemente Ganz Lúcio, as organizações buscam neste momento construir alguns acertos entre si para que o documento possa, depois disso, ser levado para consulta junto às bases das centrais, os sindicatos propriamente ditos.
“Nós vamos ver se haverá acordo para essa primeira redação que vai sair. Ainda vamos fazer uma revisão coletiva, mas é a partir desse documento que, depois, vamos começar a apresentar para o setor empresarial e para o governo o que são essas ideias. É um conjunto de diretrizes que deverão ser formalmente apresentadas”, explica Ganz.
O presidente da UGT, Ricardo Patah, acrescenta que o debate inclui também especificamente o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), hoje comandado por Luiz Marinho. O dirigente menciona alguns diálogos já iniciados com a pasta e destaca que na próxima segunda-feira (6) o ministro tem um encontro agendado com a UGT, no qual a entidade pretende aproveitar para colocar em pauta também os principais itens da reforma que está em discussão.
“De todos os ministérios, o único no qual nós temos alguma capacidade de influência e a possibilidade de a nossa voz ser ouvida é o Ministério do Trabalho. Nós queremos que cada vez mais isso seja fortalecido, e é importante que essa interlocução seja através dele.”
O debate sobre a reforma envolve dez centrais. São elas: Central Única dos Trabalhadores (CUT), Força Sindical, União Geral dos Trabalhadores (UGT), Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB), Central dos Sindicatos Brasileiros (CSB), Nova Central, Intersindical Central da Classe Trabalhadora, CSP Conlutas, Intersindical Instrumento de Luta e Pública – Central do Servidor.
A ideia é que a versão final do documento se torne um projeto de lei a ser discutido no Congresso Nacional. Até o momento, o diálogo das centrais mira alguns pontos-chave que vêm sendo trabalhados como possíveis orientações. Entre eles, estão: valorização da negociação coletiva, com forte presença dos sindicatos nas tratativas; capacidade de as entidades se articularem com as federações e confederações para produção de acordos trabalhistas de maior amplitude; e previsão de mecanismos que fortaleçam a negociação (ferramentas de solução e arbitragem para situações de impasse em processo negocial, instrumentos que combatam práticas antissindicais, etc.).
Também estão em debate diretrizes como o fortalecimento dos sindicatos, que, na visão das centrais, devem ter regras cada vez mais democráticas em seus respectivos estatutos; e um sistema de autorregulação. No caso deste último ponto, o formato ainda é algo em discussão, mas, segundo o coordenador do Fórum das Centrais, a proposta é uma das que mais têm convergência dentro do grupo e aponta para a possibilidade de se sugerir adiante a criação de uma espécie de conselho nacional que trate das relações de trabalho.
“Os trabalhadores regulam a sua atuação sindical, as empresas regulam a sua organização sindical e trabalhadores e empregadores junto com o governo regulam as relações de trabalho. A ideia de se ter um conselho é uma ideia forte. Seria um conselho que teria uma câmara de autorregulação dos trabalhadores e uma câmara de autorregulação sindical dos empregadores”, destrincha Ganz.
Dissonâncias
Enquanto o documento final não vem à tona, as costuras entre a direção das centrais seguem a todo vapor, e as diferenças entre as entidades também. Não há entendimento unânime, por exemplo, em relação à própria necessidade de proposição de uma reforma sindical neste momento. É o que defendem organizações como a CSB e a Nova Central, para citar algumas delas. Em conversa com o Brasil de Fato, o presidente desta última, Moacyr Roberto Tesch Auersvald, disse entender que o segmento precisaria primeiro tentar reaver perdas que restaram do saldo dos últimos anos.
Marcado pela aprovação da reforma trabalhista em 2017, o período se caracterizou por um afrouxamento de regras que enfraqueceu os sindicatos ao fixar, por exemplo, a não obrigatoriedade da contribuição sindical dos empregados. A mudança ajudou a deteriorar a força política de entidades que dependiam desse tipo de custeio, o que acabou refletindo na capacidade institucional, estrutural e política dos sindicatos.
Além de considerar como prioridade uma revisão desse tipo de dispositivo, a Nova Central diz conviver também com outro fantasma: o medo das costuras que podem ser feitas pelo Congresso Nacional em cima do texto da futura proposta de reforma sindical. Pela essência do trabalho do Legislativo, é natural que a dinâmica do jogo político afete a tramitação de propostas de lei por meio de enxertos nos textos originais das medidas. O presidente da Nova Central considera o terreno atual inseguro para que as centrais se lancem a esse tipo de iniciativa.
“As centrais têm feito o seu trabalho, mas nessas reformas a gente tem um certo receio porque o presidente Lula não tem maioria dentro do Congresso hoje. A gente não sabe como entram e como saem as coisas. Temos que bater em pontos que nos deem a possibilidade de melhorar a situação, e não colocar em risco as garantias que a gente tem no dia de hoje”, argumenta o dirigente.
Ponderações
Já centrais tidas como mais hegemônicas ponderam que o jogo político precisa em algum momento se debruçar sobre o tema. Na visão desse grupo, o momento seria o atual, com a volta de Lula (PT) ao poder e após acenos positivos dos presidentes da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), e Rodrigo Pacheco (PSD-MG), que no final de 2022 chegaram a manifestar alguma concordância com a ideia de repactuação de direitos trabalhistas e também em relação aos ataques sofridos pelos sindicatos nos últimos anos. Não está em debate entre as centrais, por exemplo, uma eventual revogação da reforma trabalhista, mas sim somente a reforma sindical.
“O debate da reforma sindical já é bem antigo. A gente entende que é preciso fazer uma porque algumas coisas no mundo do trabalho mudaram muito e temos que aprimorar as coisas. A representação sindical mudou bastante. Hoje as categorias mudaram e temos que atualizar e partir pra uma legislação que dê conta de toda essa diversidade que se tem hoje nas categorias, por isso que é fundamental a reforma. Nosso arcabouço jurídico é muito antigo e a gente entende que tem que ser aprimorado”, argumenta o secretário de Assuntos Jurídicos da CUT nacional, Valeir Ertle, sem detalhar a questão das transformações mencionadas.
Histórico
A arquitetura hoje prevista para as entidades sindicais no Brasil está expressa nos artigos 7º e 8º da Constituição Federal de 1988. O primeiro trata de direitos garantidos aos empregados, como seguro-desemprego, fundo de garantia, gozo de férias, reconhecimento das convenções e dos acordos coletivos de trabalho, seguro contra acidentes de trabalho e outros, que se inserem entre as normas a serem fiscalizadas pelos sindicatos.
Já no artigo 8º são detalhadas as questões que dizem respeito à livre associação profissional ou sindical. O trecho menciona itens como participação dos sindicatos nas negociações coletivas, imunidade trabalhista de empregados que participem de eleições sindicais ou que se elejam de fato para o comando desse tipo de entidade, premissa da defesa dos direitos coletivos ou individuais da categoria por parte dos sindicatos, entre outros que dão a tônica da atuação das organizações.
A previsão legal da existência de centrais sindicais só veio mais tarde, em 2008, com a Lei nº 11.648, que formalizou a prática. Organizações do tipo já existiam em 1988, mas o debate ainda não havia avançado a ponto de se refletir nas costuras que deram à luz o texto da Constituição. Depois, em 2017, a reforma trabalhista atingiu em cheio o segmento, com impacto político substancial em algumas entidades.
“Quando você passa a privilegiar o negociado sobre o legislado, como está lá em um dos artigos, e prevê que as negociações vão prevalecer em detrimento da lei, você coloca os sindicatos numa sinuca de bico, assim como ocorre com a previsão de negociação individual, ou seja, entre trabalhador e empregado, sem sindicato intermediando. O mesmo ocorre com a retirada da contribuição obrigatória. Não estou dizendo que essa contribuição fosse a melhor forma de financiamento dos sindicatos, mas o fato é que não houve nada de gradual nessa mudança nem se previu uma alternativa. Isso ajudou a fragilizar os sindicatos”, analisa o especialista em Política e Representação Parlamentar André Santos.
Analista político atualmente licenciado do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap), Santos pontua que agora, em 2023, o debate sobre o papel e a importância do segmento é reaberto em meio a um cenário que sinaliza algum nível de esperança para as entidades.
“É que agora estamos diante de um governo mais aberto ao diálogo com a sociedade. Isso dá uma margem no sentido de as centrais entenderem que podem levar uma proposta adiante por saberem que o governo é do tipo que recebe as propostas delas. Isso não quer dizer que ele vai aprovar essas propostas, claro, mas há um contexto diferente agora.”
Edição: Glauco Faria