O assassinato de Marielle Franco e seu motorista Anderson Gomes, em 14 de março de 2018, completa cinco anos nesta terça-feira (14). O maior crime político da história recente do país ocorreu seis meses antes da eleição presidencial vencida por Jair Bolsonaro (PL).
Agora, em 2023, a chegada de um novo governo, liderado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), abre uma nova janela de esperança para amigos e familiares, que desde a noite do crime convivem com a pergunta: “Quem mandou matar Marielle?”
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Pelas investigações do assassinato já passaram cinco delegados e dez promotores do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro. Mas a pergunta segue aberta. No horizonte, um inquérito que segue em segredo, sem que as famílias de Marielle Franco e Anderson Gomes, ou a jornalista Fernanda Chaves, única sobrevivente do atentado, tenham acesso às informações.
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Advogados dos familiares de Marielle Franco e Anderson Gomes impetraram um mandado de segurança, no Superior Tribunal Federal (STF), solicitando acesso ao inquérito.
“As autoridades têm a obrigação de solucionar esse crime. Minha mãe deve ser lembrada pela sua mobilização da dignidade e contra as injustiças, não por um crime sem respostas”. O recado é de Luyara Santos, filha de Marielle Franco, que hoje tem 24 anos e é uma das fundadoras do Instituto Marielle Franco, criado em 2019.
Para organizar as demandas jurídicas e políticas do processo de elucidação do atentado, foi criado, em 14 de julho de 2021, o Comitê Justiça por Marielle e Anderson, formado por familiares das duas vítimas, Anistia Internacional Brasil, Justiça Global, Coalizão Negra por Direitos e Terra de Direitos.
Para a família, a ascensão de Lula ao poder abriu uma nova possibilidade de resolução para o crime.
“Entendemos que houve uma significativa mudança na política pública de direitos humanos. Dois ministros já se manifestaram sobre a solução do caso. Podemos dizer que com a chegada do novo governo, temos mais esperança do caso ser resolvido”, explica Luyara Santos, que seguiu os caminhos da política institucional e trabalha como assessora parlamentar no gabinete da deputada estadual Renata Souza (PSOL-RJ).
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A deputada era assessora de Marielle Franco e estava na Casa das Pretas, no bairro da Lapa, região central do Rio de Janeiro, na noite de 14 de março de 2018, quando a então vereadora participou do evento “Jovens negras movendo as estruturas”, horas antes de ser assassinada.
Quando acabou o evento, Renata Souza pegou o carro e foi para sua casa na Favela da Maré, na Zona Norte do Rio de Janeiro, onde nasceu e foi criada. “Quando eu cheguei em casa, sentei no sofá e recebi uma ligação de um jornalista, perguntando se eu confirmava o assassinato de Marielle Franco. Eu pirei e disse que não confirmava, que estava com ela. O jornalista se ligou que eu não sabia e desligou o telefone. Eu fiquei ligando para Marielle, Anderson e Fernandinha, mas ninguém atendia.”
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Ato contínuo, Souza decidiu ir até a residência da vereadora. “Eu peguei meu carro na Maré e fui para a casa dela. No meio do caminho fiquei sabendo que tinha acontecido o assassinado da Mari e fui diretamente para a cena do crime. Aí, já sabemos o que aconteceu, são aquelas cenas horríveis. Eu acompanhei do início ao fim aquela situação de medo e barbárie. Até hoje, eu não acredito que a Marielle não está entre nós. Mas eu sei que até hoje, em cada espaço de luta e em cada Projeto de Lei, ela está com a gente”, encerra, já chorando, a deputada.
Compromisso
A deputada é mais uma voz que reverbera a esperança de um novo período nas investigações do crime. “Esperamos que, com a chegada do novo governo de Lula, isso possa mudar. O ministro da Justiça, Flávio Dino, se mostrou publicamente disposto a levar essa investigação de maneira qualificada, inclusive com o trabalho conjunto entre a polícia do Rio de Janeiro, a Polícia Civil do Rio de Janeiro e a Polícia Federal.”
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A expectativa entre a família e amigos não é infundada. Na cerimônia de posse do cargo de ministro da Justiça, Flávio Dino escancarou o desejo do novo governo de que o crime seja solucionado. A citação direta no discurso deixou a impressão de que o tema será tratado como prioridade em Brasília.
“Eu disse à ministra Anielle e a sua mãe que é uma questão de honra do Estado brasileiro empreender todos os esforços possíveis e cabíveis. A Polícia Federal assim atuará, para que esse crime seja desvendado definitivamente e nós saibamos quem matou Marielle e quem mandou matar Marielle Franco naquele dia no Rio de Janeiro”, afirmou Dino, que menos de 60 dias depois, em 22 de fevereiro, tomou a primeira medida, em relação ao processo.
“A fim de ampliar a colaboração federal com as investigações sobre a organização criminosa que perpetrou os homicídios de Marielle e Anderson, determinei a instauração de Inquérito na Polícia Federal”, anunciou Dino pelas suas redes sociais. “Estamos trabalhando para solucionar tais crimes.”
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Fracasso
Há consenso sobre a estagnação das investigações sobre o caso Marielle Franco. “Já passou meia década e seguimos com a ausência de resposta para a pergunta: ‘quem mandou matar Marielle?’. A investigação do crime contra Marielle e Anderson diz muito sobre como o Estado brasileiro lida com as graves violações de direitos humanos, sobretudo com as violações contra mulheres negras que participam da vida da política institucional”, lamenta Luyara.
Orlando Zaccone, fundador do grupo Policiais Antifascistas e delegado da Polícia Civil do Rio de Janeiro reflete e critica a morosidade do processo. “A federalização do caso Marielle Franco mostra, evidentemente, um certo fracasso das investigações no Rio de Janeiro, no que diz respeito ao segundo inquérito, que está investigando quem mandou matar Marielle e qual foi a motivação do crime, ou seja, o que aconteceu nas investigações é que após descoberto o autor dos disparos e outras pessoas que participaram da ação, a motivação do crime não foi identificada.”
O primeiro inquérito, aberto logo em seguida aos assassinatos, foi responsável pelas primeiras prisões, que aconteceram somente um ano depois. Em março de 2019, a Polícia Civil do Rio prendeu o policial reformado Ronnie Lessa, apontado como atirador, e o ex-policial militar Élcio Vieira de Queiroz, que seria o motorista do carro na perseguição a Marielle.
Ambos estão presos em penitenciárias federais fora do Rio de Janeiro e vão a júri popular, ainda sem data determinada pela Justiça.
Ao longo dos cinco anos, porém, as investigações ficaram marcadas por tentativas de obstrução, pistas falsas e frequentes trocas no comando do inquérito, na Polícia Civil e no Ministério Público. Um segundo inquérito foi aberto e mantido sob sigilo, para apurar a obstaculização do processo e as intenções de intervenções políticas nos rumos do processo.
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Em julho de 2021, as promotoras Simone Sibilio e Letícia Emile pediram para deixar a força-tarefa que investigava o assassinato. Ambas estavam à frente da apuração do crime desde 2018 e eram apontadas como protagonistas no processo que culminou nas prisões de Lessa e Queiroz.
De acordo com o jornal O Globo, o pedido de afastamento ocorreu porque as promotoras não teriam tido acesso ao acordo de delação premiada da viúva do miliciano Adriano da Nóbrega, Júlia Lotufo.
Morto em 9 de fevereiro de 2020, quando era foragido da Justiça e teria entrado em conflito com a polícia, Adriano da Nóbrega era aliado e amigo da família Bolsonaro. Quando era deputada estadual no Rio de Janeiro, o senador Flávio Bolsonaro (PL) empregou familiares do miliciano em seu gabinete.
Nóbrega era acusado, ainda, de participar do esquema de rachadinha no gabinete de Flávio Bolsonaro, que seria liderado por Fabrício Queiroz, ex-assessor do senador e de seu pai, o ex-presidente Jair Bolsonaro.
Para Zaccone, “a entrada da Polícia Federal demonstra uma falha da Polícia Civil. Porém, a crítica não pode ser limitada somente a um órgão policial. Temos também o Ministério Público, que não faz apenas o controle dos atos da polícia, mas também atua diretamente no inquérito. Se há uma falha, eu acredito que há, ela não é apenas da polícia civil, mas do sistema de justiça criminal do estado do Rio de Janeiro.”
Júri Popular
No dia 30 de agosto de 2022, a Primeira Turma do STF decidiu, por unanimidade, negar os recursos apresentados pela defesa de Ronnie Lessa, que tentava evitar júri popular. Nesta modalidade, a defesa do policial militar reformado considera que as chances de evitar a prisão ou uma pena extensa diminui, por conta do apelo popular do crime.
Dessa forma, já é possível afirmar que Lessa e Élcio Queiroz serão julgados. Porém, não há data definida ainda pela Justiça. No Brasil, o julgamento por júri popular é reservado aos crimes dolosos, ou seja, em quando há intenção de matar.
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A decisão pelo júri popular havia sido tomada pelo juiz Gustavo Gomes Kalil, da 4ª vara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJ-RJ), que acompanha o caso. O magistrado foi responsável, também, por negar recurso impetrado pela defesa de Lessa e Queiroz, que solicitava a soltura de ambos, em setembro de 2022.
“Mantenho, por ora, as prisões preventivas com base nos fundamentos já lançados na sentença de pronúncia , destacando que a demora na prestação jurisdicional se dá por iniciativa da Defesa que interpôs sucessivos recursos em face da decisão de pronúncia, devendo arcar com o ônus da demora, não causada pela máquina judiciária”, afirmou Kalil nos autos.
Daqui pra frente
Como elucidar um crime de cinco após cinco anos? “É possível. Mas, para isso, é necessário esclarecer algumas coisas que ficaram meio dúbias no primeiro inquérito”, explica Zaccone.
“Uma das questões importantes é a visita dos executores da Marielle ao condomínio do Bolsonaro, o Vivendas da Barra. Repare que o Lessa, que é o atirador, morava no condomínio, mas a primeira informação do porteiro foi que Anderson, o motorista, chegou e não procurou o Lessa, era para procurar alguém na casa do ‘Seu Jair’.
“Isso foi desmentido depois de uma forma muito estranha, pois esse porteiro não aparece mais e não trabalha mais lá. E quem tem o livro de anotações que ele fez no dia e que constava a visita do Adriano? O Ministério Público. Há um documento mostrando que havia uma comunicação de um dos presos na execução, que era o motorista Adriano, com alguém que estava na casa do seu Jair. Seu Jair não estava lá, já está provado que ele estava em Brasília, mas é preciso saber quem estava na casa dele naquele horário”, aponta o delegado.
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Renata Souza lembra que “uma mulher eleita por mais de 46.000 pessoas na cidade do Rio de Janeiro, que lutava em defesa dos direitos humanos e construía pautas a partir dos movimentos sociais, foi assassinada”. A falta de elucidação do caso, para a deputada, reverbera nas mulheres negras que chegam à política.
“O assassinato de Marielle deixa um rastro de medo. Hoje, ser uma mulher na política no Brasil é encampar as pautas de Marielle Franco é uma situação de risco. Isso revela a fragilidade da nossa democracia. Isso deixa mulheres que querem se colocar nesse espaços ressabiadas, mas não haverá recuo das mulheres pretas na política”, conta Souza.
“No entanto, há uma força ancestral que nos guarda e protege, mas também nos dá empenho para manter o compromisso com nosso povo preto e de periferia. A disposição de luta é pelo legado de Marielle, mas é também pela vida de todas nós”, encerra a parlamentar.
Luyara acredita que o caso será elucidado, mas não sem a permanente vigília da família e amigos. “Não vamos desistir até alcançar justiça para minha mãe e para o Anderson. Ao longo dos anos, continuamos cobrando e a resposta tem que ser dada pelo Estado brasileiro, para o país e para o mundo. Sabemos que quanto mais o tempo passa, mais difícil preservar a memória de quem foi Marielle, principalmente para as novas gerações, a preservação da memória sobre quem foi a Marielle fortalece a nossa luta.”
Edição: Lucas Weber