As brasileiras Kátyna Baía, de 44 anos, e Jeanne Paolini, de 40, que ficaram presas por mais de um mês na Alemanha após terem a etiqueta de suas bagagens trocadas, relataram os “dias terríveis” que passaram na prisão, em entrevista ao programa Fantástico, da TV Globo.
Na reportagem exibida neste domingo (16/04), o casal conta que chegou a ser colocado em uma sala suja, onde passou frio e fome. No centro de detenção em Frankfurt, dormiam em celas separadas e disseram ter convivido com pessoas “verdadeiramente perigosas”, inclusive assassinas.
Kátyna e Jeanne embarcaram em 4 de março no aeroporto de Santa Genoveva, em Goiânia, com destino a Berlim, na Alemanha. No caminho, tinham conexões planejadas em Guarulhos (SP) e Frankfurt (Alemanha).
Elas chegaram a Frankfurt em 5 de março, prevendo passar 20 dias de férias na Alemanha, Bélgica e República Tcheca. No aeroporto, enquanto aguardavam a troca de aeronave para Berlim, o casal foi abordado e detido pela polícia alemã por suspeita de tráfico de drogas.
“Eu ficava perguntando para ele [policial] em inglês: ‘Cadê minha esposa? Cadê minha esposa?’ E logo me algemaram. Eu ficava perguntando para ele o que estava acontecendo, foi quando eu entendi a palavra cocaína”, conta a personal trainer Kátyna ao Fantástico.
Em duas malas despachadas onde constavam etiquetas com os nomes delas havia 40 quilos de cocaína. Mas as malas não pertenciam à dupla, como demonstraram investigações realizadas no Brasil. As etiquetas foram trocadas por funcionários do aeroporto de Guarulhos.
Na entrevista, Kátyna e Jeanne contam que só entenderam que a acusação era de tráfico internacional de drogas muitas horas depois, quando chegou uma intérprete. Enquanto isso, ficaram cinco horas em uma sala, algemadas pelas mãos e pelos pés, passando frio.
“Tiraram os nossos casacos, estava um dia muito frio. Se não me engano, estava 2 graus”, diz Kátyna. “Fora isso, a gente teve que passar por uma humilhante revista íntima nesse momento”, completa a médica veterinária Jeanne.
Em seguida, ainda em 5 de março, as duas foram levadas para um prédio provisório, onde passaram a noite. “[Era] um local muito frio, uma cela suja, ficamos sem comer. E nesse lugar tinha pessoas gritando, batendo na porta, em vários idiomas. Desde aquele dia, nós já não dormimos mais”, conta Jeanne.
“Pesadelo” na prisão em Frankfurt
No dia seguinte, em 6 de março, o casal foi transferido para um centro de detenção em Frankfurt, onde permaneceu por mais de um mês. Elas contam que passavam 16 horas por dia trancadas em celas individuais “muito pequenas”, de cerca de 6 metros quadrados cada, e só se encontravam nos horários de convivência coletiva.
“Nós não tínhamos livro, não tínhamos televisão. Uma hora ali dentro, para a gente, era um dia. […] Quando eu abria o olho, eu olhava e [pensava]: ‘Não acabou esse pesadelo. Eu ainda estou nessa cela'”, diz Jeanne ao Fantástico.
“A sensação de injustiça era muito grande. Ficar dentro de um presídio sabendo que você é inocente, dói demais. Isso trazia um desespero para a gente todos os dias. ‘Por que isso aconteceu com a gente?'”
No presídio, elas dizem que conviviam com pessoas que haviam cometido todo tipo de crime. “Assassinas, assassinas em série, incendiárias… tinha todo tipo de pessoas”, conta Kátyna. “Era um ambiente insalubre de várias maneiras: mentalmente, fisicamente; e nós temíamos por nossa segurança, obviamente, porque estávamos convivendo com pessoas perigosas, verdadeiramente perigosas.”
Sem acesso a remédios
Kátyna afirma ainda que, inicialmente, não teve acesso aos medicamentos que toma regularmente. “Eu passei por uma cirurgia para correção de um aneurisma cerebral. Então eu faço uso de medicamento contínuo há muitos anos. Sou paciente também de dor crônica. Esse acesso foi negado”, diz a personal trainer.
Ela conta que, mais tarde, conseguiu consultar uma segunda médica no presídio, uma clínica-geral, que acabou mudando, porém, o princípio ativo e a dosagem de seu medicamento. “Tinha dia que eu tomava três comprimidos, tinha dia que eram dois, tinha dia que eram quatro. E eu tive que tomar e acatar aleatoriamente, porque de fato eu precisava.”
A soltura
Kátyna e Jeanne deixaram a prisão na terça-feira passada, 11 de abril, após 38 dias detidas. O pedido de soltura foi aceito pela promotoria da Alemanha, que decidiu arquivar as acusações contra o casal, após o envio de imagens e provas pelas autoridades brasileiras que atestaram a troca de bagagens por uma quadrilha formada por funcionários terceirizados do aeroporto de Guarulhos.
A Polícia Federal brasileira já prendeu sete suspeitos de envolvimento no caso. As investigações continuam para tentar descobrir quem encomendou o crime e quem eram as duas mulheres que despacharam as malas contendo drogas.
Ao Fantástico, Kátyna e Jeanne contam como receberam a notícia de que seriam libertadas. “Chega uma policial, falando em alemão. […] Eu disse: ‘Eu não compreendo. Inglês, por favor’. Aí ela falou: ‘Você está livre. Recolha suas coisas que você está livre.’ Naquele momento eu falei ‘Livre?’ Já saí correndo para a cela da Jeanne e comecei a gritar.”
Ao sair da prisão, elas foram recebidas por funcionários do consulado brasileiro em Frankfurt que, do lado de fora, ajudaram a agilizar o processo de soltura. “Naquele mesmo momento, coincidentemente, nossa família estava chegando. Imediatamente sanou nossos corações desses dias terríveis que nós passamos em função dessa injustiça”, diz Kátyna.
O casal embarcou de volta para o Brasil na quinta-feira, 13 de abril, e chegou a Goiânia, cidade onde moram, na sexta-feira de manhã.
Busca por reparação
Em entrevista ao Fantástico, a advogada do casal, Luna Provázio, diz que vai buscar reparação pelos danos morais e materiais que as duas sofreram. “Nós consideramos que a justiça ainda não foi feita. […] Elas passaram por humilhações graves na Alemanha. Foram acusadas de crimes graves lá. Então é um transtorno e um trauma psicológico para as duas que dinheiro nenhum repara”, afirma a advogada.
“Meu coração ainda acelera quando escuto alguns barulhos. Eu lembro do barulho das chaves, barulho dos cadeados. Eu ainda não consegui dormir. Eu acordei no horário que eles acordavam no presídio”, conta Jeanne.