Dados levantados pela Fundação Abrinq apontam que, a cada 24 horas, o Brasil registrou 124 denúncias de violência sexual contra crianças e adolescentes em 2022. Desde 2012, os números subiram ano a ano. Segundo a pesquisa, a cada quatro vítimas de violência sexual em território nacional, três são crianças ou adolescentes.
O único período em que a escalada constante não foi observada foi o ano de 2020, resultado atribuído à queda de denúncias que ocorreu no contexto da pandemia de covid-19. Em entrevista ao BdF, Michelly Antunes, líder de Programas e Projetos Sociais na Fundação Abrinq, afirma que as desigualdades estruturais do país são obstáculos para que o cenário seja revertido.
“Desigualdade, famílias não assistidas, em situação de vulnerabilidade, tudo isso influencia para que essa problemática da violência sexual continue. O patriarcalismo, a questão cultural que trata a mulher como objeto mostram que essa temática é muito mais complexa”, pontua.
Entender essa complexidade, segundo ela, é essencial para que se estabeleçam política adequadas e efetivas. “Nossos dados revelam uma situação extremamente alarmante. Quando olhamos de forma mais detalhada vemos a manutenção desse aumento (de casos), o que é ainda mais alarmante”, alerta Antunes.
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Agressões no ambiente familiar
A desigualdade estrutural do Brasil está expressa nos números. A média diária de denúncias de abusos contra crianças e adolescentes pretos, pretas, pardos e pardas foi de 70 notificações. Já casos em que as vítimas são brancas e amarelas foram cerca de 43.
As informações reafirmam também uma realidade já expressa em outros estudos e análises: a maior parte dos casos ocorre dentro de casa. O índice de violência sexual cometida no ambiente familiar chegou a 69% do total. Em 2022, mais de 12 mil casos tiveram como agressor algum familiar.
“É uma violência extremamente silenciosa e o processo de identificação é muito difícil de ser feito, assim como notificar e fazer o acompanhamento. É tudo muito mais doloroso para essa criança”, afirma Michelly Antunes.
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Cerca de 65% do total de crianças e adolescentes que sofreram abusos sexuais está na faixa etária de 5 a 14 anos. Entre os meninos, a maioria das notificações ocorre de 5 a 9 anos e entre as meninas, de 10 a 14 anos.
Os números também alertam para os níveis de reincidência desses crimes. Quase 40% das vítimas que buscaram atendimento voltam com relatos de novos episódios. Duas em cada cinco registros são de vítimas que já passaram pela violência anteriormente.
“Nossas crianças estão desprotegidas e precisamos trabalhar muito para garantir que o mínimo de direitos seja garantido a elas. Precisamos garantir escola, lugares protetivos, que a criança possa brincar, se alimentar, ter condições de saúde. Precisamos dar esses direitos as nossas crianças”, finaliza Antunes.
Memória
No Brasil, 18 de maio é o Dia Nacional de Combate ao Abuso e à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes. A data faz referência ao caso da menina Araceli Crespo, de 8 anos, que foi sequestrada, violentada e cruelmente assassinada em 18 de maio de 1973, em Vitória (ES).
Ouça a entrevista na íntegra no tocador de áudio abaixo do título desta matéria.
Edição: Nicolau Soares