A Associação das Comunidades Remanescentes de Quilombos do Estado do Rio de Janeiro encaminhou na segunda-feira (13) ao Ministério Público Federal (MPF) um manifesto em apoio à ação movida pelo órgão que pede reparação do Banco do Brasil por ter financiado o mercado de escravos no país.
No documento, a entidade que representa 53 comunidades remanescentes de quilombos no Rio cita a difícil situação da população negra no Brasil até os dias de hoje, que “materializa reminiscências do holocausto da escravidão de pessoas pretas” e critica a falta de políticas públicas eficazes para combater esses problemas. Ao final, o manifesto defende que o banco dê explicações e uma reparação à população negra pelos “lucros vexatórios” que obteve com o mercado de escravos.
“O Banco do Brasil, de forma voluntária, ou por meio de imposição por parte do MPF e/ou do Judiciário brasileiro, deve explicações e sobretudo, por meio de REPARAÇÃO à sociedade civil deste país, em especial à população preta-brasileira, por sua lamentável e vergonhosa participação no mais vergonhoso período da história brasileira, que foi o processo de escravização da população Preta/Negra”, diz o manifesto.
Em setembro deste ano, o MPF no Rio de Janeiro decidiu abrir uma investigação inédita sobre a atuação do Banco do Brasil no financiamento do mercado de escravos no país. Isso aconteceu após a instituição receber um estudo que recuperou em registros oficiais, notícias da época e documentos históricos essa parte da atuação do banco público.
Quilombolas falam em racismo do poder público
No manifesto encaminhado nesta semana ao Ministério Público Federal, os quilombolas elencam os vários problemas que assolam a população negra no país, da pobreza e falta de acesso a direitos básicos, à violência que mata mais os negros e negras e até a disparidade salarial tanto nos setores público quanto privado.
Além disso, o documento condena especificamente lentidão dos órgãos responsáveis pela regularização das terras quilombolas e afirma que o poder público é “racista” em sua demora para garantir o direito dessas populações tradicionais enquanto garante, de forma célere, autorizações e licenças ambientais para empreendimentos empresariais nos terrenos quilombolas.
“Frise-se, ademais, o fato do poder público, de maneira racista e perversa, é omisso e letárgico na garantia dos direitos inerentes a tais comunidades, conforme se depreende DOS INTERMINÁVEIS PROCESSOS DE DEMARCAÇÃO E TITULAÇÃO DOS SEUS RESPECTIVOS TERRITÓRIOS (sic), que se arrastam há décadas junto ao INCRA ou no órgão estadual com competência/atribuição legal para tanto como o ITERJ (Instituto deTerras e Cartografia do Estado do Rio de Janeiro) e o INEA (Instituto Estadual do Ambiente)”, diz o texto.
“Por outro lado, este mesmo poder público mostra-se extremamente célere na expedição de licenças ambientais, mediante processos de licenciamento ambiental ilegais/fraudulentos, autorizando grandes empreendimentos econômicos, nacionais e internacionais, a instalarem-se e operarem/funcionarem dentro dos territórios quilombolas, explorando-os economicamente sem deixar qualquer tipo de contrapartida em benefício das comunidades, apenas e tão-somente um devastador legado de destruição e morte geradas por gigantescos e escandalosos impactos socioambientais”, segue o manifesto.
A entidade ainda ressalta que tem havido avanços legislativos e de formulação de políticas públicas para reparar e enfrentar alguns problemas da população negra, mas que estas são, muitas vezes, “tímidas”. “Todavia todas estas iniciativas caracterizam-se, fundamentalmente, por sua incipiência, ‘timidez’ e insuficiência, dado o gigantesco e estarrecedor estoque histórico/ancestral de exclusão, omissões e acúmulo de desigualdades que marcam a atuação do Estado e a sociedade brasileira, motivados (consciente e/ou inconscientemente) pela presença atávica do racismo”, aponta o manifesto.
MPF realizará audiências públicas
O inquérito civil público foi instaurado pela Procuradoria Regional de Direitos do Cidadão no Rio de Janeiro. Presentes em todos os estados do país. As procuradorias são o braço de atuação do Ministério Público Federal que atua na garantia de direitos constitucionais, como liberdade, igualdade, dignidade, saúde, educação, assistência social, acessibilidade, segurança pública, o direito à informação e à livre expressão, entre outros.
A partir da abertura do inquérito civil, a procuradoria se reuniu com o banco público no dia 27 de outubro e ficou acertado que o BB se manifestaria em 15 dias úteis sobre o reconhecimento de sua atuação no tráfico de escravos. Além disso, a instituição deverá apresentar quais medidas pretende adotar no curto prazo em consequência desse reconhecimento. O banco ainda está no prazo para apresentar sua resposta.
Segundo divulgou o MPF na época do encontro, o BB também deverá se manifestar sobre o financiamento de pesquisas sobre esse passado, “além de indicar as medidas que pretende acelerar para racializar a forma de pensar a sua própria estrutura”. O MPF, por sua vez, deve organizar audiências públicas com a sociedade civil para discutir sobre um possível plano de reparação a ser executado pelo banco público. A primeira audiência está marcada para o próximo sábado (18) na sede da escola de samba Portela, no Rio de Janeiro.
Edição: Thalita Pires