Antes disso, Michel Temer mandou substituir poltronas escuras e cadeiras de jacarandá por móveis claros
Por Vinícius Valfré
Móveis e tapetes de uma casa podem expor o estilo e o temperamento de uma família. No caso de uma residência oficial de um presidente da República, as peças podem escancarar também o exercício do poder. É em tempo de mudança e reforma que o Palácio da Alvorada, inaugurado em 1958, antes até de Brasília, mostra repetições de discursos, estratégias políticas e mesmo o descaso com o patrimônio histórico.
Na semana passada, a primeira-dama Rosângela da Silva, a Janja, aproveitou sua primeira entrevista após a posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva para avaliar que o Alvorada precisa de reforma antes da mudança dela e do marido. Com uma equipe da Globo News a tiracolo, Janja percorreu a área pública e os quartos da residência para mostrar infiltração no teto, problema na mesa, tapete rasgado e móveis de loja popular no lugar de peças assinadas por designers do modernismo. Foi uma estocada atrás da outra nos antigos inquilinos. Não foi a primeira vez que o descaso com o patrimônio histórico, quase um costume nacional, virou discurso político.
Construído numa ponta margeada pelas águas do Paranoá, lago artificial formado nos anos 1960, o Alvorada começou a apresentar problemas estruturais no governo Fernando Henrique Cardoso. O Banco do Brasil chegou a elaborar um projeto de reforma no prédio, mas a obra nunca saiu. À época, a mulher de FHC, a antropóloga Ruth Cardoso, pouco afeita à imagem clássica de primeira-dama, evitou festas na residência ou mudanças bruscas. A biblioteca do palácio, onde o marido recebia ministros, empresários e parlamentares, se tornou o ambiente mais conhecido.
ESTRELA. O jardim do Alvorada virou assunto nacional em 2004, quando a então primeira-dama Marisa Letícia, mulher de Lula à época, mandou fazer um canteiro de sálvias vermelhas em formato de estrela na área. A oposição acusou o casal de adotar um símbolo partidário num prédio público – outro canteiro idêntico foi feito na Granja do Torto.
Em outubro de 2004, o arquiteto Oscar Niemeyer deu aval para uma reforma ampla. Nenhuma outra primeira-dama, nem Marly Sarney, conhecida pelo estilo “dona de casa”, havia se empenhado tanto quanto Marisa Letícia para melhorar as condições da residência. Sem caixa para uma mudança ampla, Lula chamou um grupo de empresários e pediu que bancassem o projeto. A obra, orçada em R$ 16 milhões, foi alvo de muitas críticas.
No segundo mandato, Lula resolveu revitalizar a piscina da residência. O lugar não havia passado por reforma nem mesmo no tempo em que Fernando Henrique, todas as manhãs, nadava ali. Mais tarde, em 2018, uma investigação da Polícia Federal apontou que a troca do granito do fundo da piscina teria sido feita pela construtora Odebrecht, sem contrato e publicidade.
CAPELA. Lula entregou o governo e o Alvorada para Dilma Rousseff. A presidente que fazia questão de visitar museus e galerias de arte em viagens ao exterior deixou registro pouco afeito à cultura brasileira na residência. A capelinha de Nossa Senhora da Conceição, marco do modernismo, serviu de escritórios a assessores políticos. Mesas e computadores foram instalados no espaço criado por Niemeyer a pedido de Sarah Kubitschek, mulher de Juscelino.
Os santos barrocos também não tiveram tranquilidade na gestão de Jair Bolsonaro. A primeira-dama Michelle, que se apresentava como evangélica, mandou servidores retirarem obras sacras da área pública. Dois anjos tocheiros do barroco brasileiro e quatro imagens de santas em madeira foram levados para o Palácio do Jaburu. Na época, Hamilton Mourão, católico, demonstrou prazer em receber as obras, especialmente uma Santa Bárbara, padroeira da artilharia.
Antes disso, Michel Temer mandou substituir poltronas escuras e cadeiras de jacarandá por móveis claros. Mas ele chamou mesmo a atenção do Iphan ao mandar instalar telas de náilon nas sacadas dos quartos. Argumentou que era para proteger o filho. Como Temer não se adaptou e voltou ao Jaburu, a direção do Iphan mandou retirar as telas por “agredir” a visão do patrimônio histórico.